quinta-feira, 21 de junho de 2012

CRÔNICAS AVULSAS: EU AOS PEDAÇOS (PARTE IV)


MENINOS SOLTANDO PAPAGAIOS (1947) DE CÂNDIDO PORTINARI

"Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem me dar a mão".

_Milton Nascimento.

Por mais tempo que a gente viva, nunca se esquece da juventude. A memória é como um filme que só nós mesmos podemos assistir. Para mim, a infância é a melhor parte desse filme: muitas vezes meus pensamentos voltam às experiências que vivi – à inocência e às travessuras daquela época, e aos sonhos e pesadelos também.

Tive uma infância privilegiada. Naquela época vídeo-game era luxo para poucos; e como eu e meus amigos não tínhamos isso, brincávamos mesmo era nas ruas. Nossas brincadeiras eram todas, pois iam desde: jogar taco, futebol de rua, bolinhas de gude, descer uma enorme ladeira com carrinhos de rolimã até soltar balões – que nos consumia um tempo enorme para fabricação...

Mas a brincadeira que eu mais adorava e meus amigos também: era soltar pipa! Éramos vidrados, tanto é que começávamos a nos preparar para soltar pipas nas tão aguardadas férias escolares, com um mês de antecedência – ou seja, preparávamos tudo com muita antecedência, uma verdadeira indústria. Fazíamos pipas a granel com rabiolas e cerol também, para a temporada toda. Juntávamos nossas economias do primeiro semestre todo e íamos ao Centro de São Paulo comprar caixas de carretel de linha 10, da marca Corrente (salvo de engano meu elas eram de 457 jardas).

E para instalar o medo nos adversários, sempre fazíamos nossas pipas de uma forma padrão, ou seja, eu por ser palmeirense, sempre soltava pipa de cor verde com rabiola preta e meus amigos assim também sucessivamente mudando de cor apenas. Logo, sempre que perdíamos uma, outra entrava no lugar com a mesma cor, era como se fosse nossa marca registrada nos céus, assim dava a sensação de que naquele determinado local, sempre estavam as mesmas pipas o tempo todo e que nunca perdíamos elas. Logo, isso gerava medo nos demais e como se não bastasse, éramos exímios “reladores”. Meu recorde num dia, com uma única e famigerada pipa verde de rabiola preta, foi ter cortado outras 11 pipas.

Meus pais e os dos meus amigos ficavam loucos com a gente, na época de férias escolares do meio e do final do ano, ficávamos verdadeiros tições tirados do fogo. Soltávamos pipa de manhã até o cair da noite, tomando sempre muito sol, e escutando muito rock and roll (talvez por isso esse estilo musical ainda seja até hoje o que mais gosto).

As brigas também rolavam soltas nessa época, por causa das pipas e rapinagem de linha, a Rua 4 nos odiava e os trombadinhas – idem, e obviamente nós também odiávamos todos eles. Nunca "afinávamos" para ninguém, e literalmente o “pau cantava” nas ruas. Como éramos em menor número, nos armávamos da melhor forma possível, com pedaços de madeira, ferros e o que tivesse nas mãos na hora da briga.

Lembro de um dia, que vieram dez trombadinhas da pracinha do Jardim Ângela para junto do terreno baldio que costumávamos nos reunir para soltar pipa, eles queriam roubar nossas linhas, e como estávamos em cinco meninos, partimos para cima, lembro que nesse dia de tanto bater neles com uma madeira, tive uma câimbra na mão e a madeira ficou grudada nela, só depois de uns cinco minutos é que consegui soltar a madeira. Depois dessa surra monumental que saímos vencedores, nunca mais tentaram nos roubar; também não era para menos...

Atualmente não vejo mais pipas como antigamente onde eu moro. Aliás, elas são raras. As crianças ficam mais em seus lares, viciadas em vídeo-game e internet. O mundo virtual existe ao redor de nós, como um monstro ou um anjo, dependendo do lado pelo qual o abordamos. A juventude é outra. Os tempos mudaram.

Todos foram condenados a ser bombardeados pelo excesso de comunicação, a oferta é maior do que a procura. Hoje temos muita informação e pouca formação, a diferença parece sutil, mas faz muita diferença. O mundo virtual é um salto sem rede no espaço. As conseqüências disso tudo? O tempo vai nos dizer, mas algo me diz que a resposta não será das mais animadoras...

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