sábado, 12 de janeiro de 2013

CRÔNICAS AVULSAS: PREFIRO SER UMA VÍRGULA, DO QUE UM PONTO FINAL


Foto gentilmente cedida por Alcântara Duran Capra*, tirada na rua: João Moura, bairro de Pinheiros - São Paulo, via Windows Phone. 

“A pessoa que não consegue enfrentar a vida sempre
precisa, enquanto viva, de uma mão para afastar um
pouco do seu desespero pelo seu destino [...] mas com
sua outra mão ela pode anotar o que vê entre as ruínas,
pois vê mais coisas, e diferentes, do que as outras; afinal,
está morto durante sua vida e é o verdadeiro sobrevivente.”

Franz Kafka, Diários, apontamento de 19 de outubro de 1921.

“VIVER é negócio muito perigoso.” Bem disse Riobaldo, o jagunço criado por Guimarães Rosa, no seu livro: “Grande Sertão: Veredas”. Embora essa citação inicial venha da ficção desse excelente escritor mineiro, vivemos amplamente sua frase aqui em São Paulo e quiçá no mundo. Pois quando a ficção se torna realidade - bem diante dos nossos olhos, é sinal que estamos prestes a soçobrar nesse oceano de maldade.

Digo isso, pois tenho acompanhado os noticiários e tenho notado a escalada de mortes bárbaras em São Paulo. A banalidade do mal – sempre diante de nós, como bem estudou Hannah Arendt. Aliás, isso não é de agora, vem desde que o homem existe, pois na Bíblia, temos o relato de Caim e Abel, no qual o primeiro matou o segundo, por um motivo banal e torpe: inveja. E o que dizer de Lameque, que também aparece em Gênesis e teve a pachorra de dizer: “Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou.” O que se pode esperar então da raça humana? Volto ao mesmo Guimarães Rosa: “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?”.

Para mim filosofar é dar esperança e tentar reunir os fragmentos de um mundo pós-catástrofe. É assumir uma lucidez desesperada, colocar em dúvida qualquer verdade pré-estabelecida a priori e dogmática em sua essência, afrontar-se com o novo. Como dizia o saudoso mestre da crônica brasileira Nelson Rodrigues (1912-1980): “Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.”

Pensemos então!

Sim pensemos, pois sem sombra de variação a inteligência é o único meio que possuímos para dominar os nossos instintos mais cruéis. Destarte, vamos adiante – amplamente divulgado em todas as mídias: “Morre grávida de nove meses, que foi baleada com um tiro na cabeça, na zona sul de São Paulo, no bairro do Campo Limpo. Seu filho recém nascido contínua internado na UTI.”

A questão não é: “Como pode um sujeito fazer uma barbaridade dessas?” Isso nossa mídia que mais se preocupa em fazer sensacionalismo barato já o faz (aliás, faz muito bem por sinal, pois conseguem desviar do foco do verdadeiro “x” da questão e entorpecer a mente do público, que torna-se massa de manobra). Mas penso que a verdadeira pergunta a ser feita e refletida é: “O que eu fiz para poder evitar isso?”.

Ora, é simples viver uma vida sem esforço, alienada e regada por vaidades mil, sem preocupação nenhuma com o próximo, aliás, essa é a maioria da vida que vivemos – sejamos sinceros (inclusive a desse que vos escreve). Portanto, por não merecer nenhum esforço dos nossos músculos e cérebro, torna-se uma vida: tacanha. Pois para ser um medíocre na vida, não se requer nenhum empenho. Basta se juntar ao coro dos fatalistas de plantão e cruzar os braços: “A culpa é da polícia” ou “Quem mandou dar 'sopa' numa rua escura e tarde da noite?”...

Sempre a culpa é de outrem, e nunca de nós mesmos. Como dizia Skakespeare na sua magistral peça Júlio César (1598-1599): “O erro, caro Brutus, não está nas estrelas, mas em nós.” Ou quem sabe ainda Nietzsche (1844-1900): “A pior mentira é aquela que contamos a nós mesmos.”

Penso que quando há eventos que promovem rupturas em nossa existência, impedindo que o mundo permaneça sendo a casa que nos acolhe e abriga, precisamos desesperadamente compreendê-los, para que possamos nos reconciliar com esse mesmo mundo e voltarmos a nos sentir em casa nele novamente. E sejamos sinceros, quem em sã consciência se sente seguro numa cidade como: São Paulo – que é a nossa casa?

Vivo em meio à face dos horrores do meu tempo, dos quais sou ao mesmo tempo testemunha ocular e sobrevivente (pois - moro no Jardim Ângela, que foi considerado pela UNESCO, até bem pouco tempo atrás, o bairro mais perigoso do mundo), portanto, caro leitor, os convoco para pensar e agir, desalojemos o primeiro da alçada dos filósofos e o segundo, da jurisdição dos políticos; pois é extremamente necessário assim proceder. E por nossa "bandeira", nunca nos esqueçamos dessa frase de Martin Luther King:

“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons”.

Não existe uma panacéia universal, como se ela pudesse resolver o problema da violência generalizada em São Paulo e no mundo. Talvez por isso alguns prefiram viver achando que o mundo real é o “rancho da pamonha” como canta o Criolo em sua música excelente Mariô. Notícia ruim: o mundo não é isso! Ledo engano de quem pensa assim.

Já alguns preferem se esconder atrás dos outros, achando que um dia virá um super herói a nos salvar. Um exemplo disso é o que fez Bráulio Mantovani (roteirista), pois em 2008 ele escreveu o roteiro do excelente filme: "Última Parada 174", que inclusive participou do Festival Internacional de Toronto desse mesmo ano. Sua bilheteria? Lamentável e irrisória, pois se trata de um filme, que nos chama para refletirmos sobre o nosso papel enquanto homens e mulheres, no tocante ao que estamos fazendo aqui no mundo. Obviamente, esse filme não fez muito sucesso e poucos se lembram (quem não viu, veja, pois vale a pena cada minuto – essa película).

Tropa de Elite I e II cujo roteiro é assinado pelo mesmo Bráulio Mantovani, fez um sucesso retumbante e faturou bilhões nas bilheterias. O segredo? Simples, lá temos um “super-herói” que atende pelo nome de “Capitão Nascimento” que resolve todos os nossos problemas. Pois como disse Freud: “Quando não matamos nossos monstros psíquicos, nos os projetamos em alguém ao nosso redor.” Mais fácil escorar a vida no surreal, na imagem do “super homem” do que encarar ela (vida) de frente e como ela é, com todos os seus problemas e mazelas – amor e felicidades: incluídos. Aqueles que não conseguirem resolver seus monstros secretos, suas feridas clandestinas e suas insanidades ocultas – nunca viverão; apenas sobreviverão. Emboram seja sutil isso - a diferença entre cada um é enorme: o que vive e o que apenas sobrevive. Rumine...

Penso que essa escalada da violência em São Paulo, nos ensina a reconhecermos que estamos ante um mal banal, que não tem profundidade, mas que é infinitamente devastador, pois não repousa na fraqueza humana e não resulta de motivos humanos compreensíveis (como atirar numa mulher grávida, que estava sozinha em seu carro). Destarte, esse mal banal já se alastrou indefinidamente como um fungo sobre a nossa superfície.

Hannah Arendt nos ensina sobre isso que “em última análise, o mundo humano é sempre o produto do amor mundi do homem, um artifício humano cuja imortalidade potencial está sempre sujeita à mortalidade daqueles que o ergueram e a natalidade daqueles que chegam para viver nele”. Assim, o mundo só se torna um lugar habitável e a convivência suportável e desejável se assumirmos por amor ou gratidão a responsabilidade por ele e se por amizade e respeito interagimos com nossos pares para mudarmos o que de maldade grassa em nosso meio.

Em miúdos: a questão não é se você é engajado ou não; a verdadeira questão é - como você não pode ser engajado, vivendo nesse mundo?

Se pude lhe fazer sinais que apontem para outro caminho de vida, posso descansar em paz, pois cumpri meu papel e como disse: Walter Benjamin, numa carta a Gerhard Scholem datada de 17 de abril de 1931:

"Como alguém que se mantém à tona num naufrágio por subir no topo de um mastro que já se desmorona. Mas dali ele tem uma oportunidade de fazer sinais que levem à sua salvação.”

Ah os sinais...
Contudo, os sinais por dias melhores - só ocorrerão com a nossa interferência na triste realidade caótica que nos rodeia. Vamos juntos mudar ela? Pois eu prefiro ser uma vírgula, do que um ponto final nessa história.

***
Soli Deo Gloria
Jó 19:25

* Todos os direitos reservados.

2 comentários:

  1. Muito bom seu texto Caldas!
    As vezes é tão ruim perceber o quão somos parados, pacifistas de plantão.
    E pensar que palavras, textos, filmes, gestos que não chegam ao grande público, podem fazer a diferença.
    E que os bons não se calem.

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  2. Ótimo meu velho, belo texto. A bandeira ainda está hasteada, não em meio mastro, pois ainda há quem a sustente.

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