No dia 07.05.2016 tive a honra
de estar no Museu de Socorro-SP e falar sobre o Borges, a palestra levou o
seguinte mote: Jorge Luis Borges – O escritor
e os paradoxos do seu: O livro de areia.
Enquanto ela não começava –
falava com minha companheira: Alexandra Collazo, sobre os tempos de outrora
(bem saudosos por sinal) em que todo sábado à noite, eu e minha mãe sentávamos
na sala e ficávamos por horas a fio falando sobre nossas leituras e as
impressões que tivemos dos autores. Por certo, falamos não uma, mas várias
vezes sobre o Borges, minha mãe o conhecia profundamente – principalmente seus
poemas, que não eram o meu forte. Aliás, sempre foquei em Borges mais seus
contos, que naturalmente me apeteciam mais.
Pensar em mãe era natural,
afinal no dia seguinte – domingo era o dia das mães. Confesso, que enquanto
falava para as pessoas ela não me saia da mente. Fiz o melhor que pude e com o
coração por dentro despedaçado – esmagado pela data e pelas lembranças. Creio
que isso passou despercebido de todos. Talvez eu seja um bom ator, vai saber...
Ao final uma senhora veio – me abraçou
e sussurrou em meus ouvidos:
“Muito
obrigada pelas lindas palavras! Faltam mais jovens como você!”
Fui embora com aquela sensação
de dever cumprido e creio que os demais que estavam presentes, também foram
embora satisfeitos com a tertúlia promovida.
Ao final da noite, já deitado a
velha e companheira fiel insônia me visitou, e me fez relembrar de um dia em que
minha mãe me relatava sobre a vinda do Borges aqui para o Brasil, e a Lygia F. Telles, o encontrou em 1970 na
cidade de São Paulo. Lygia relata mais ou menos esse encontro assim:
“Eu conhecia o Borges de antes, mas o encontro foi num jantar. Já cego e velhusco, estava tão cercado que eu não seria capaz de chegar perto. Quando ia embora, vi-o sentado numa cadeira, sozinho com sua bengala. Todos ao redor tinham desaparecido milagrosamente. Chamei: “Borges”. Sempre tive esta voz rouca, mesmo quando jovem. Ele reconheceu: “Lygia”. Estava com a mão apoiada na bengala e eu botei a minha em cima. “Queria me despedir e que me dissesse uma coisa. Detesto a palavra ‘mensagem’, que perdeu o sentido mais profundo e só se usa comercialmente, mas peço que me diga algo, uma mensagem”. Ele disse: “Tenho um amigo que morreu quando deixou de sonhar”, e mencionou o nome no exato instante que alguém quebrou um copo ali perto, de modo que não ouvi. Fiquei com vergonha de perguntar quem era novamente, me despedi e saí. Uma jovem no palácio dava uma rosa para cada convidado. Peguei a rosa, botei na lapela e pensei: a rosa profunda. Anos mais tarde é que descobri que era Horacio Quiroga. Na hora que deixou de sonhar, matou-se. Na hora que eu perder essa força do sonho, vai vir à tona: o que estou fazendo aqui? Os paraísos perdidos, os sonhos perdidos. Aí é melhor ir embora, rapidamente. Tem aquele livro ‘A negação da morte’. O que é a negação da morte? A arte. Pintar, escrever, fazer música. A única coisa que nega a morte e consegue flutuar no mar do mundo, como um barco, é a arte.”
“Eu conhecia o Borges de antes, mas o encontro foi num jantar. Já cego e velhusco, estava tão cercado que eu não seria capaz de chegar perto. Quando ia embora, vi-o sentado numa cadeira, sozinho com sua bengala. Todos ao redor tinham desaparecido milagrosamente. Chamei: “Borges”. Sempre tive esta voz rouca, mesmo quando jovem. Ele reconheceu: “Lygia”. Estava com a mão apoiada na bengala e eu botei a minha em cima. “Queria me despedir e que me dissesse uma coisa. Detesto a palavra ‘mensagem’, que perdeu o sentido mais profundo e só se usa comercialmente, mas peço que me diga algo, uma mensagem”. Ele disse: “Tenho um amigo que morreu quando deixou de sonhar”, e mencionou o nome no exato instante que alguém quebrou um copo ali perto, de modo que não ouvi. Fiquei com vergonha de perguntar quem era novamente, me despedi e saí. Uma jovem no palácio dava uma rosa para cada convidado. Peguei a rosa, botei na lapela e pensei: a rosa profunda. Anos mais tarde é que descobri que era Horacio Quiroga. Na hora que deixou de sonhar, matou-se. Na hora que eu perder essa força do sonho, vai vir à tona: o que estou fazendo aqui? Os paraísos perdidos, os sonhos perdidos. Aí é melhor ir embora, rapidamente. Tem aquele livro ‘A negação da morte’. O que é a negação da morte? A arte. Pintar, escrever, fazer música. A única coisa que nega a morte e consegue flutuar no mar do mundo, como um barco, é a arte.”
Com
Borges aprendi – que o que existe são os paraísos perdidos. É a eles que temos
de nos agarrar; mostrar que estão perdidos sim, mas que foram e são paraísos.
Arte é o meu paraíso! Como era o da minha mãe! E em breve estaremos juntos
nesse paraíso.
Até breve mãe...
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