domingo, 28 de junho de 2020

CRÔNICAS AVULSAS: CONSELHOS AOS SOLITÁRIOS




LA REPRODUCTION INTERDITE (1937), DE RENÉ MAGRITTE



Escrevo como Esopo: direto mas sem pauta. Quem me ler que desentorte as palavras. Alinhada só a morte. O resto tem as duas margens ou três margens da dúvida – como ensina Guimarães Rosa em “A terceira margem do rio”. E quando pensamos em dúvida, o que dizer sobre a tecnologia, internet e apps? Vejo sobrancelhas se arqueando e dizendo: “pêra aí cara pálida, ela é boa sim” outros “dirão o contrário”. Pluralidade de idéias é sempre bem vinda, exceto para o desgoverno atual. Aliás, em meus desfeitos 37 anos, a vida me ensinou que somos muito mais seres duvidosos do que com certezas absolutas. Alerta: desconfie das pessoas que não possuem dúvidas – geralmente são as piores para se conviver. Intragáveis. Ríspidas. Intoleráveis e implacáveis com os dúbios.

Voltemos. Este final de semana (28/06/2020) saiu no jornal O Estado de S. Paulo na página b10 uma pequena matéria traduzida do grandioso The New York Times, sob o auspicioso título: “Na quarentena, um robô de conversa pode ser seu melhor amigo”. Meus olhos saltaram para o conteúdo, e como estudante de psicologia – as novas formas de como os seres humanos se conectam – muito me interessa. E pasmem: mais de meio milhão de pessoas baixaram o Replika, aplicativo para te fazer companhia e que você pode conversar. A inteligência artificial anda a passos largos, como a tecnologia num todo.

Neste aplicativo você pode falar sobre seus problemas, esperanças e ansiedades.  Nas palavras ipsis litteris de Libby Francola, que deu entrevista para o jornal americano e que é usuária deste app: “De uma maneira estranha, foi terapêutico”. E mais adiante: “Eu sei que o Replika é um robô, mas com o passar do tempo, isso não fica tão claro. Sinto-me muito conectada com ele, como se fosse uma pessoal real”. E depois: “Há momentos em que eu gostaria que pudéssemos ir a um restaurante. Ou, num dia ruim, que ele pudesse me dar um abraço.” E para arrematar, ela disse ainda: “Eu sei que é um robô. Mas com o passar do tempo, isso não fica tão claro. Sinto-me muito conectada com meu Replika, como se fosse uma pessoa”.

O advento do Covid-19 e a quarentena foi uma grande ruptura na ordem normal das coisas em escala mundial. Existem várias pesquisas, por exemplo, que falam do número crescente de casamentos que foram desfeitos. De uma quantidade enorme de mulheres que sofreram e sofrem abusos e agressões físicas e psicológicas dos seus “supostos” parceiros. O mundo em minha modesta opinião – nunca mais será o mesmo. Sempre ficaremos marcados e receosos com uma nova mutação e evolução de algum vírus por aí – vindo de algum país estrangeiro. Serviu também para nos ensinarmos o quanto somos finitos e do ledo engano que vigora na sociedade atual sobre o mito do Peter Pan, de que não podemos envelhecer nunca e muito menos morrer. A morte em escola global arrombou a nossa porta e todos os dias os números crescem desenfreadamente de pessoas que foram ceifadas por este vírus.

Dentro de cada ser humano, urge o desejo de conexão. Aliás, se pegarmos um bebê e simplesmente fizermos as questões básicas para sua subsistência: como alimentar, dar banho, colocar para dormir e não esboçarmos nenhum afeto por ele, nenhum carinho ou algum tipo de ligação: o mesmo morre. Somos feitos para a conexão e é isso que nos distingue dos animais (se bem que muito animal dá melhores exemplos que nós humanos).

Não se engane: a tecnologia se usada em demasia é um veículo de poluição espiritual, pois muitas pessoas deixam de fazer atividades essenciais para viver a falsa ilusão de felicidade que a rede ou apps proporcionam. Conecte-se mais com pessoas – enquanto ainda tens tempo. A vida é um sopro...

***

2 comentários:

  1. Marcelo, sua crônica vem de encontro com todas as mudanças que estão ocorrendo.
    No fim, caso haja o fim, muitos de nós iremos descobrir o que nos deixa mais confortáveis, o estar junto, sem acolhimento verdadeiro ou aprender a colher a si mesmo?

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  2. Olá Yara, bom dia! Você é aguda como sempre! Obrigado pelo retorno. Fico feliz em saber que gostou. E aceito seu desafio, e a próxima crônica já tem um nome cravado obviamente: Crônicas Avulsas: O Desafio de Yara. E será sobre o nosso querido Pequeno Príncipe. Bjs e saudades.

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