terça-feira, 30 de junho de 2020

CRÔNICAS AVULSAS: O DESAFIO DE YARA



MULHER COM OLHOS AZUIS (1918), DE AMEDEO MODIGLIANI

Foi um desafio simples. Assim como fui tudo simples o laço da amizade que nos uniu. Eu a conheci na época da minha primeira graduação (ela era minha professora) e de lá pra cá – já se passaram 17 anos. Mulher bonita, mais que bonita: impressionante. Do tipo que não dá para esquecê-la. O rosto projetado para a frente, árabe em sua genealogia, silenciosa, pupilas claras que olhavam o mundo sem nunca deixar de ver dentro: sua pátria é ela mesma.

Ao seu lado fui aluno. Ao seu lado fui fotógrafo de campanha eleitoral. Ao seu lado fizemos saraus em casa. Ao seu lado degustamos vinhos. Ao seu lado comemos e rimos. Ao seu lado também estive na hora mais dolorosa (pois a vida não é só flores) da perca de um ente querido seu (Múcio, era como se fosse seu pai de verdade). Ao seu lado aprendi lições preciosas sobre a vida – as quais nunca esquecerei. Ao seu lado aprendi o real significado da palavra: amizade.   

Yara Kassab é um fenômeno que vem de baixo para cima, que sobe dos alunos para a crítica acadêmica, do limiar para o olimpo das universidades. Uma vida inteira dedicada a sua paixão: educação. Educadora sim, tia não – sempre; já dizia Paulo Freire seu eterno guia. Não só dela, meu também e de tantos outros. Freire é universal. Impossível não ficar implicado com os ministros da educação atualmente (que nem merecem sequer serem citados os nomes) face um Paulo Freire. Que distância galática dele para estes anátemas atuais.

Suas aulas são inefáveis. Sua postura impecável. Sua ética – inegociável. Sua transposição didática é daquelas que se torna impossível sair incólume. Sempre nos convida a pensar além. Incentivadora por natureza. Uma sonhadora: que sonha e nos faz sonhar com um mundo melhor. O veículo para isso? Educação.

Tem muita diferença dela para outros educadores. Talvez a maior diferença seja que ela veste um escafandro para viajar no universo acadêmico ao passo que muitos preferem o conforto raso da superfície. Sua arte, sua beleza só vem quando ela mergulha nua em si mesma e abre a boca em suas aulas. Ilumina com surpreendentes centelhas o mundo submerso na qual vive e do qual nos traz notícia em aula.

Uma mulher que conhece o mundo. Que conhece de tudo – muito. Uma mulher que sabe muito da natureza humana. Todavia, muito mais próxima ela está dos homens e mulheres do que dos deuses da Hélade. Sua linguagem de que ela se serve é um instrumento de fabulosa precisão e beleza. Não há nela um desgaste de peça, um parafuso frouxo. Tudo anda num ritmo perfeito em suas aulas, na sua prosa acadêmica e nas interações da sua vida comum com os outros. É uma mestra da língua para muitos. Para mim, ela é mestra de ofício mais difícil que o de manobrar bem as palavras. É uma mestra como fora Virginia Woolf, Jane Austen, Simone de Beauvoir, Hannah Arendt, Sylvia Plath, Zélia Gattai, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz e tantas outras...

Sobre o meu desafio dado por ela, eu tinha que escrever uma crônica sobre o livro “O pequeno príncipe” como se vê – não segui muito isto ao pé da letra. A grandeza de Yara Kassab está nisto, em que sendo uma mulher de muitas palavras é, na solidão de sua obra, uma escritora e pessoa de vida eterna.

Em tempo: “É só com o coração que conseguimos ver de verdade, o que é essencial é invisível aos olhos.” Disse Antoine de Saint-Exupéry, obrigado por sempre abrir nossos olhos e habitar em nossos corações.

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3 comentários:

  1. Marcelo, um ser humano que me trás a responsabilidade de ser um pouco melhor a cada dia, enquanto educadora, ser humano, enquanto mulher.
    Você sempre me surpreende...sempre consegue mexer com os sentidos da minha alma....te amo

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  2. Obrigado Yara! Você mora no meu coração também!!!

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