segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

CONTO: NOVES FORA À LÓGICA

Era como uma religião para Santiago Reis.
Jogo após jogo, ele sempre comparecia; seja no sol escaldante, na chuva caudalosa, sob um frio agonizante ou sobre a brisa tênue do verão ao anoitecer. Literalmente não media esforços para ir ao estádio. Sempre fazendo questão de ficar bem no meio da torcida, que era: frenética, emotiva, ensandecida e vibrante, tudo ao mesmo tempo, numa confusão de sentimentos e acima de tudo com uma lealdade ferrenha. Seu coração disparava, quando ouvia o hino do seu time. Toda a torcida, já o conhecia de vista, e era bem quisto no seu meio. Uns, verdade seja dita, demoraram a se acostumar com a idéia, mas logo, foram convencidos pela maioria, e pela integridade deste distinto torcedor.
A família de Santiago, sempre rechaçou a idéia. E nunca foram a favor das suas idas ao estádio. Motivo esse, de muitas brigas em seu lar. Os vizinhos por sua vez e amigos chegados, eram da mesma opinião. Obviamente, sanhas brotaram por todos os lados, na vida de Santiago. Que com o correr rápido dos anos, fora se acostumando com isso, e quando lhe davam voz, arrebatava a todos com sua loquacidade profética:

- Só se consegue o desenvolvimento individual aquele que se esforça e consegue ouvir as energias latentes em seu interior, de modo que haja total abandono de si mesmo em busca da transformação.

- És um poeta meu filho! Pena que... Dizia sua mãe, com um ar moribundo.

- Vocês nunca, irão me entender. Nem eu a vocês! Dizia inflamado Santiago Reis.

Em chegando as eleições do seu clube de coração. O novo presidente, quis
conhecer-lhe pessoalmente, pois seus assessores lhe fizeram saber de sua fama no estádio e em meio à torcida. E este que não tinha nada de bobo, viu aí uma estupenda oportunidade de alavancar sua imagem com a torcida e demais conselheiros da oposição. Pois esse presidente, era adepto cegamente e ferrenhamente à política da boa vizinhança.
Ao passo que em poucos dias, chegou as mãos de sua mãe, um convite formal do novo presidente do clube; solicitando sua presença encarecidamente na sede do clube. Santiago ao ouvir isso, aceitou de bate-pronto ir conhecer o novo e sortudo eleito. Muito embora, seu coração estive aos pulos, e suas pernas tremessem – como bambus – de medo, obviamente. Pois em toda sua vida, nenhum evento desta monta lhe havia acontecido.
Chagado finalmente o dia e horário marcado, eis que Santiago Reis se apresentou a Raul Cáceres:

- Saiba desde já jovem torcedor Santiago, que sua presença em nosso meio, nos inspira a alma. E nos faz abundar em felicidade. Digo isso, não apenas em nome do clube, mas por toda equipe técnica, jogadores e funcionários dessa nobre agremiação honrada.

- Agradeço tamanha distinção, prezado presidente Cáceres. Mas não é para tanto. Sou apenas mais um torcedor, como tantos outros. Que ama seu time de coração; tão somente isso...


LA REPRODUCTION INTERDIT (1937), DE RENÉ MAGRITTE.

Depois dos confetes e serpentinas de costume, que uma ocasião pomposa
como essa demanda de praxe. Santiago, foi finalmente para sua casa. Sentindo um imenso vazio dentro de si, e uma perca desnecessária de seu tempo. Mas antes de cair em desânimo, seu coração achou uma luz no fim do túnel, e logo se recobrou deste estado de apatia. Pois no dia seguinte, era o grande dia, e a tão sonhada e esperada: final de campeonato. E como já tinha comprado seu ingresso, agora era questão de horas, para adentrar no santuário sagrado, e torcer pelo seu time com todas suas forças e entendimento.
Chegado o horário, lá estava ele no meio da torcida: Santiago Reis, e como era a tão aguardada final, apareceram novas caras no estádio, que nunca o tinham visto antes. E um mais ousado, se aproximou dele e perguntou:

- Vejo que é cego. E mesmo assim vens ao estádio. Isso é fantástico! Mas não entendo, qual a graça que isso pode ter, para você?

- Qual a graça? Simples, venho ao estádio não ver, pois percebe-se que sou impossibilitado disso – obviamente. Mas venho, para uma única coisa, que aliás me move a sair de casa todo santo dia para vir para cá, quanto tem jogo. Sabes o que é?

- Não faço a mínima idéia. Respondeu o impertinente, neófito e curioso torcedor.

- Ora, ora...
Simples; mas antes pense comigo, e me responda. O que faz uma pipa se manter no céu?

- O vento, aliás, e o que mais poderia ser?

- Correto, o vento. Vejo que és inteligente. Mas me diga, você consegue enxergar o vento?

- Não, nunca ninguém conseguirá isso. Apenas podemos senti-lo. Disse o torcedor para Santiago, já com impaciência.

- Então já lhe respondi sua indagação. Ou seja, venho aqui para sentir a vibração da torcida e essa energia que dela emana. Pois na realidade só se enxerga corretamente com o coração. E o que realmente importa meu caro, é invisível aos olhos humanos.

Atordoado com a resposta o inusitado torcedor, se retirou em silêncio profundo. E Santiago filosofou com seus botões:

- Esse pobre coitado, ainda não se deu conta de que: ser e ver, significa que temos de viver uma vida conscientemente, experimentando a realidade profunda das coisas, sem se deixar levar pelas aparências exteriores, e agir a partir do centro da consciência com autenticidade, espontaneidade e criatividade. E quiçá um dia, ele se atente para isso...



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