terça-feira, 13 de janeiro de 2009

CONTO: DE DÉU EM DÉU

Ninguém sabia de onde viam e para onde iam. Simplesmente chegavam, com suas caravanas coloridas; que davam um novo ar onde ficavam. Firmavam suas tendas, comiam, dançavam, festejavam e alegravam-se. Um povo, que ao seu modo, cultura e filosofia de vida, causavam estranheza há alguns e medo na maior parte das pessoas. Que tinham múltiplas histórias ao seu respeito. Embora a maioria delas, fossem ruins; isso não é de se estranhar, dada à dificuldade de muitos não saberem lidar com as diferenças. Logo, aquilo que não conhecem devidamente e difere deles – difamam sordidamente. Essa era a lógica, que algumas pessoas praticavam ferrenhamente.
Na fazenda dos Soares, que eram os mais ricos da região, calhou a sorte ou azar, desse povo encantado se estabelecer, as margens do seu portal majestoso, ao lado de um lindo lago, que dava com a entrada principal. Assim que Ruy Soares, soube da nova, imediatamente seu semblante mudou. Pois, lembrou-se do conselho do seu falecido pai:
- Ciganos, não prestam e não valem nada, além, de agoureiros por natureza. Cuidado com eles.
Ficou acuado por alguns dias. Não saiu da fazenda, para a cidade, como fazia toda semana, igual há um ritual religioso. Seus compadres, assim que deram por sua falta repetidas vezes, na associação de futebol da cidade, enviaram rapidamente um representante, ao seu encontro:
- Anda sumido Ruy, não respondeu aos nossos recados; ficamos preocupados. Disse Marcos Coutinho, secretário geral da agremiação.
- Não tenho mais cabeça pra isso, desde que essas pragas chegaram e se estabeleceram, na entrada da minha fazenda. Respondeu Ruy.
- Homem deixa eles. Não são de nada. Retrucou o amigo.
- O pior é que nem dormir consigo, toda noite tenho pesadelos horríveis, e fico acordado, sem conseguir pregar os olhos. Isso começou no dia em que pisaram seus pés aqui. Disse nervosamente Ruy.
Quando Marcos se deu conta, de que seus esforços eram em vão, de remover seu amigo e maior benfeitor financeiro da associação, da clausura da fazenda; foi embora com ar abatido, e desejando melhoras ao amigo, e que não esquentasse tanto a cabeça com os ciganos. Suas palavras entraram e saíram dois ouvidos de Ruy Castro; que tinha o pensamento noutros lugares.



O ENIGMA DE UM DIA (1914), DE GIORGIO DE CHIRICO

No dia seguinte, um dos seus capatazes informou que um cigano, que era o líder deles, desejaria lhe falar rapidamente. Ao que Ruy, sentiu um calafrio correr, por todo seu corpo. Quando chegou ao terraço, viu um velho, com rugas proeminentes, dentes de ouro e um olhar negro assustador em sua frente lhe esperando. E lhe disse:
- Bom dia! Venho lhe pedir em nome do meu povo, os filhotes dessa galinha, que está aqui no seu terreiro.
- Nem por todos seus dentes de ouro e do seu povo, lhe daria esses filhotes. Respondeu peremptoriamente Ruy.
O ancião cigano lhe cravou os olhos e disse de chofre:
- Amanhã mesmo, não só esses filhotes, mas todos seus galos e galinhas estarão todos mortos.
E foi embora lentamente, arrastando seu andar. Quando a porteira se fechou; quando o velho passou; nesse exato instante passou sob a cabeça de Ruy Castro, um bando de pássaros pretos, e por um breve instante o céu azul de brigadeiro, ficou negro. Então Ruy pressentiu que tinha selado seu destino nessa hora; e seu capataz ao presenciar a cena, se benzeu rapidamente vinte vezes, quando os pássaros passaram cantando em debandada. E Ruy, o ouviu dizer:
- Sai de ré satanás.
- Você é um frouxo Chico, isso que você é! Disse asperamente Ruy.
Aquela foi à noite mais angustiante para Ruy. Teve inúmeros pesadelos, só que dessa vez mais aterrorizantes do que os outros.
Quando o sol despontou no horizonte incerto de Ruy Castro, ele foi imediatamente para a entrada principal da sua casa, que dava para o terraço, e se deparou com todas as galinhas, filhotes e galos, estirados na entrada de sua porta sem nenhuma perfuração, sangue ou sinal de que foram tocadas por alguém. Seus funcionários a seu pedido, tinham reforçado a segurança, desde que o ancião dos ciganos estive ali. Mas mesmo assim não teve escapatória. Colocou as mãos sobre a cabeça, tampou seus olhos por um instante, como se quisesse fingir para si mesmo, que não estava vendo aquela hecatombe de penas, na sua frente, e nem muito menos vivendo tudo aquilo. Entrou rapidamente para dentro da casa, sem dizer uma única palavra sequer, aos seus funcionários que observam tudo – absortos de terror.

Depois do almoço, Ruy se dirigiu até onde os ciganos estavam acampados, e disse ao velho cigano:
- O que você quer para sumir daqui?
- Nada! Respondeu o ancião.
- Como assim? Disse Ruy.
- Na verdade, já estamos de partida. Mas aprenda uma coisa, que às vezes é melhor ceder, para ter paz.

E da mesma forma como chegaram, foram embora.


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