sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

CONTO: UM POUCO DE PAZ

Cada ser humano é uma idiossincrasia ímpar.

O Coronel Túlio Ferreiro, não fugia a regra. Solteiro inveterado, aposentado de guerra, veio para a pacata cidade de Socorro, para descansar e ter a tão sonhada paz; que sempre lhe pareceu tão distante em sua vida. Na guerra, não obteve o sucesso que esperava; um ferimento em sua mão direita lhe aposentou precocemente, contudo, a seu contra-gosto. Como sempre foi adepta a hierarquia, e a respeitava religiosamente, assim que ficou sabendo, que iria se aposentar, sua alma se azedou por alguns dias, mas rapidamente capitulou a ordem. Deu como caso encerrado, página virada em sua vida.

Assim que chegou a cidade interiorana, e que seu olhar cruzou, com o dos seus vizinhos, algo em seu íntimo, o alertou, que sua estadia ali não seria fácil. Seu jeito recluso afastou imediatamente qualquer contato com a vizinhança. Não se esforçou, em estabelecer qualquer relação, pois sempre foi adepto ao bordão: “A primeira impressão é a que fica”; como não tinha se agradado deles, não travou qualquer laço de amizade.

O exército tinha deixado o legado em sua vida, durante os anos em que serviu, uma disciplina metódica e ferrenha; mesmo estando já aposentado, não conseguia ficar acordado até tarde na noite, e sempre acordava às quatro horas da manhã. Preparava e tomava seu café, depois se exercitava até às oito horas; tomava um banho em seguida, e partia rumo a banca de jornal. Voltava para casa, lia o jornal de ponta a ponta. Seguia essa rotina todos os dias; independentemente de qualquer fator: chuva, frio, calor...
Seus vizinhos o tinham como um lunático excêntrico. Passados dois anos, que chegara ali, nunca conseguiram arrancar, sequer um bom dia seu. Embora, tivessem tentado inúmeras vezes.


O ROSTO DA GUERRA (1940-1941), DE SALVADOR DALÍ

Numa dessas rotinas, quando estava em sua cadeira de balanço, lendo o jornal, uma notícia lhe saltou aos olhos, roubando-lhe a paz. Leu que uma quadrilha especializada estava roubando e fazendo um verdadeiro arrastão, nas cidades interioranas. A polícia, até o presente momento, não tinha nenhuma pista dos ladrões.

No dia seguinte, acordou com uma nova disposição. Começou trocando o portão da sua casa, depois colocou uma cerca elétrica no muro. Não contente, instalou câmeras em todos os lados, ao ponto, que nenhum local: interno ou externo da casa, lhe passava desapercebido. O próximo passou, foi trocar todas as portas e janelas.
Seus vizinhos acompanharam todas as mudanças, feitas em apenas uma semana; alarmados e curiosos ao mesmo tempo. Diziam, que o Coronel, tinha enlouquecido e que um velho trauma da guerra, tinha voltado a atormentar sua vida; sendo aquilo tudo desnecessário e um verdadeiro – desperdício.

Aos poucos, foi deixando de sair de casa. Pois agora, os seqüestros, lhe assustavam sobremaneira. Sua presença, que era sempre notada, pelos seus vizinhos, tinha se tornado rara.

Os anos se passaram, nunca registraram uma ocorrência sequer, de assalto ou seqüestro na cidade de Socorro. O Coronel Ferreiro, há tempos não era mais visto. Os vizinhos alertaram o delegado, que decidiu arrombar sua casa e apurar o que se passava com o ilustre misantropo; quando fez isso, sob diversos olhares curiosos dos vizinhos, o avistou sem sua cadeira de balanço, com um jornal amarelado e roto, em seu colo. Morreu ali mesmo, sozinho como sempre.

O jornal da cidade fez uma longa matéria honrosa sobre seu passado na guerra; não poupou elogios ao seu ilustre leitor.
Sua morte foi dada como natural.
Muitos vizinhos, quando o viram, notaram em sua face, fortes traços de infelicidade.
Sua paz; tinha-se ido.
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