domingo, 30 de abril de 2017

CRÔNICAS AVULSAS: A DUVIDOSA PLURALIDADE DA REDE



Há pouco mais de uma década, quando o mundo começava a descobrir as redes sociais, imaginava-se que elas seriam um instrumento para ampliar o debate e fortalecer a democracia ao conectar os continentes. Hoje, praticamente um quarto da população mundial está presente no Facebook, a maior rede social do planeta, com 1,8 bilhão de usuários ativos, mas o impacto da interação virtual gera preocupação crescente.

Gosto muito da escritora Hannah Arendt, e trago uma citação da mesma do seu livro: “A condição Humana”, a saber:

“É óbvio que isto requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de verdades que se tornaram triviais e vazias – parece ser uma das principais características do nosso tempo. O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se de apenas refletir sobre o que estamos fazendo.”

Refletir sobre o que estamos fazendo? Num tempo em que as pessoas mal lêem um livro? Cujo senso crítico delas é baseado no que elas recebem uns dos outros via mensagens e vídeos no WhatsApp? Goethe dizia que: “Aquele que não da conta do que lhe antecedeu em 3 séculos – vive na era presente em meio as trevas.”

Um dos aspectos preocupantes dos hábitos digitais é o que vem sendo chamado de “cultura de ódio”, postagens ofensivas e gratuitas de pessoas aparentemente cordiais na vida offline. Os alvos são muitos, mas surpreendentemente não definidos por experiências pessoais do usuário, mas por seu posicionamento político-social. Um exemplo é o do atirador de Campinas (SP) que matou 12 pessoas da família na noite de Revéillon e deixou uma carta em que reproduz esse discurso de ódio retirado da internet.

Outro efeito negativo do comportamento online é a denominada “pós-verdade”, um conceito recente que foi eleito como a palavra do ano de 2016 pelo dicionário da Universidade de Oxford, na Inglaterra. A palavra denota “circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal”. São situações em que a pessoa não se importa em reproduzir uma mentira desde que encontre uma justificativa para a sua própria opinião.

Essas notícias falsas podem ter conseqüências perigosas no mundo real. Foi o caso da pizzagate, um boato que se espalhou por Facebook, Twitter e Instagram durante a campanha presidencial americana e dizia que a pizzaria Comet Ping Pong, em Washington – cujo proprietário teria ligações com um assessor de Hillary -, estaria envolvida em tráfico de crianças para uma rede internacional de pedofilia. No início de dezembro, Edgar Welch, um pacato cidadão, resolveu fazer justiça com as próprias mãos. Foi até a pizzaria portando um rifle de uso militar e abriu fogo instintivamente.

Como as redes sociais não têm filtros, normalmente são terreno fértil para a difusão de informação falsa. A capacidade de propagação de uma notícia mentirosa é 50% superior à de notícias verdadeiras.

Os antropólogos diziam que lá no passado você tinha de ser alguma coisa; depois você precisava ter; hoje, em função desse mecanismo biológico, você não precisa ser, nem ter, você precisa APARENTAR. Por isso, as pessoas fazem o possível e o impossível para passar idéias de coisas maravilhosas. É uma maneira que o cérebro encontra de tentar, no meio dessa multidão, achar ou ganhar o mínimo de atenção. Aí as pessoas perdem o contato com elas mesmas. Elas estão voltadas para fora. Então, quanto mais eu receber curtidas nas redes sociais, mais valor social passo a ter. É difícil você pegar pessoas que dizem que não entram nas redes sociais, ‘isso é suicídio’. Saber quem você é, para onde vai, está em baixa. Lamentável...

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