segunda-feira, 9 de março de 2009

APONTAMENTOS SARTRIANOS AOS ELEITORES BRASILEIROS

“Não pretendo fazer coisa alguma pela pátria, pela família, pela humanidade (...). De resto, acresce que nada sei de historia social, política e intelectual do país; que nada sei de geografia; que nada entendo de ciências sociais e próximas, (...) vou dar um excelente deputado.”
Lima Barreto (1881-1922), escritor carioca.


“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos; há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam. Mas há pessoas que simplesmente, aparecem em nossa vida e que marcam para sempre.” Essas palavras de Cecília Meireles (1901-19640), parecem retratar bem o que significou para a humanidade o século XX, onde fomos brindados por escritores, artistas, cientistas e principalmente filósofos/pensadores de quilates ímpares, entre eles podemos citar: Hannah Arendt, Albert Camus, Theodor W. Adorno, Marleau-Ponty, Michel Foucault, Deleuze, Simone de Beauvoir e finalmente Jean-Paul Sartre (1905-1980). Que inovou em seu tempo, e teve da crítica o ostracismo como resposta, até pouco tempo; pois ousou mesclar filosofia e literatura, como ele mesmo disse: “Sou filósofo? Ou sou literato? Penso que o que fiz desde minhas primeiras obras é algo que mescla os dois: tudo o que escrevi é ao mesmo tempo filosofia e literatura, não justapostas, mas cada elemento dado e ao mesmo tempo literário e filosófico.”

Antes de querer colocar aqui um ponto final no que é sua obra, Sartre a coloca num patamar superior, que não é decifrável, pois ainda se encontra em aberto. Filosofia e literatura ao mesmo tempo? Os romances como forma literária e filosófica? As obras consideradas de “filosofia pura” como forma filosófico-literária? Neste híbrido sartriano, encontramos a priori um enigma que desafiou seu tempo e desafia o nosso, e está por ser decifrado...

Sartre em sua vida, foi um intelectual engajado por definição, e essencialmente um filósofo ativo politicamente, que convivia ao lado dos concidadãos, e abraçou causas políticas também fora da França. E não apenas ficava atrás das mesas, em faustos escritórios perdido em eternas elucubrações, sem nexo com a realidade da vida. Logo ele convocará a vinculação possível e necessária entre o “pensar” e o “agir”, desalojando o primeiro da alçada dos filósofos e o segundo, da jurisdição dos políticos. No seu livro “Crítica da Razão Dialética” é ainda o ataque mais consistente já feito ao sistema capitalista. Vinculando reflexão e práxis, Sartre sempre defendeu a revolta como premissa básica da existência e fundamento da liberdade do homem, portanto, ela devia necessariamente ir ao encontro das revoltas das minorias, e esforçou-se para estabelecer o sentido do seu pensamento como filosofia da ação. Em primeiro lugar, com o próprio exemplo, pois seu engajamento político nunca deixou sombra de dúvida sobre sua recusa do quietismo ou da acomodação burguesa. É esse o fio condutor de suas obras ficcionais, dramatúrgicas e filosóficas.

Sartre também diz que o homem se sente alienado num mundo sem sentido. Quando descreve a “alienação” do homem, Sartre retoma os pontos centrais do pensamento de Hegel e de Marx. O sentimento do homem de ser um estranho no mundo, diz Sartre, leva a uma sensação de desespero, tédio, náusea e absurdidade. Logo, para Sartre, a liberdade do homem era como uma maldição: “O homem está condenado à liberdade”, ele dizia. Condenado porque não se criou e, não obstante, é livre. E uma vez atirado ao mundo, passa a ser responsável por tudo o que faz. Ora, nisto vemos uma conexão clara com nossa realidade tupiniquim política, ou seja, eu e você caro leitor e leitora, somos os responsáveis, pelos que estão aí no governo. Circula um texto na internet chamado: PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA CONSTRUIR UM PAÍS, dizia-se do escritor João Ubaldo Ribeiro, mas há pouco tempo ele veio a público e negou sua autoria, contudo a despeito disso, cito ele aqui:

“A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique Cardoso. Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não servirá para nada. Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão e corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como POVO. Nós como matéria prima de uma país.
Porque pertenço a um país onde a “ESPERTEZA” é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal e se tira um só jornal, deixando os demais onde estão. Pertenço ao país onde as “Empresas Privadas” são papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo que possa ser útil para o trabalho dos filhos... e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu “puxar” a tv a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito. Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.”



OLD MAN WITH HIS HEAD IN HIS HANDS (1890), DE VAN GOGH
Talvez não seja inútil recordar o famoso texto de Kant[1]:

“De tudo que é possível conceber no mundo, e mesmo em geral fora do mundo, não há nada que possa ser considerado bom sem restrições, a não ser, apenas uma vontade boa. A inteligência, a fineza, a faculdade de julgar e os demais talentos do espírito, qualquer que seja o nome pelo qual o designemos, ou então a coragem, a decisão, a perseverança nos desígnios, como qualidades do temperamento, são, sem dúvida nenhuma, sob muitos aspectos, coisas boas e desejáveis; mas esses dons da natureza também podem se tornar extremamente ruins e funestos, se a vontade que deve utilizá-los, cujas disposições próprias chamam-se por isso de caráter, não é boa.”

Caráter? Sim fundamental e imprescindível, bem como integridade, equidade e principalmente: justiça. Que nas palavras do excelente filósofo francês também, André Comte-Sponville[2]:

“A justiça não pertence a ninguém, a nenhum campo, a nenhum partido; todos são moralmente obrigados a defendê-la. Estou me exprimindo mal. Os partidos não têm moral. A justiça deve ser preservada não pelos partidos, mas pelos indivíduos que os compõem ou resistem a eles. A justiça só existe e só é um valor, inclusive, quando há justos para defendê-la.”
No texto póstumo publicado em 1989 por Annette Elkaim-Sartre, “Verdade e Existência”, podemos ler: “Toda verdade é provida de um fora que sempre ignorarei. Assim, a atitude da generosidade é atirar a verdade aos outros para que ela se torne infinita na medida em que me escapa.” Nós somos, já nos havíamos tornado durante a vida de Sartre, seus outros e seu fora.

Diríamos que a verdade absolutamente atirada à alteridade é infinita no sentido “atual”, e não somente “potencial”, como ele a entende. Diríamos que esse infinito inscreve o fora e a alteridade no próprio homem. Mas não negaremos que ainda nos chega por meio disso alguma coisa da generosidade de Sartre.
Essa generosidade – essa responsabilidade – insistia em querer mudar o mundo, como se deve para quem quer pensá-lo, mas não percebia o quanto o mundo se transformava e, com ele, o pensamento. Por isso, que é necessário mudarmos antes a nós mesmos, pois somos, a matéria prima do Brasil, e depois nosso compromisso é não ficarmos omissos e pusilânimes. Pois deveras, e, infinitamente pior que a gestão dos corruptos, será a resignação e silêncio dos bons...
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[1] Fondements de la métaphysique des moeurs, I, pág. 55-56 da trad. Delbos-Philonenko, Vrin, 1980.
[2] Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, pág. 74, Ed. Martins Fontes, 1995.
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