segunda-feira, 28 de setembro de 2009

GRANDE: JOÃO GUIMARÃES ROSA E SUA TERCEIRA MARGEM DO RIO


Impressão, sol nascente (1872)
Musée Marmottan, Paris (França)
Claude-Oscar Monet (1840-1926)


Antes de falar do conto: “A terceira margem do rio”, contido no livro: Primeiras Estórias, do estupendo Guimarães Rosa, gostaria de citar um poema, a meu ver esclarecedor:

“Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação
Não uso o coração

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço,
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!


(Fernando Pessoa, in Antologia Poética, RBA, 1996.)

Creio que existam dois tipos de autores: os que nós amamos e os que nós admiramos. E em Guimarães Rosa, creio que esses dois tipos se confluem.
Quando Mia Couto esteve no Brasil, para uma sessão de autógrafos, do seu mais recente livro: “Antes de Nascer o Mundo”, tive a oportunidade lhe perguntar qual era o melhor conto brasileiro que ele tinha lido, e o mesmo sem pestanejar disse: “Não o melhor do Brasil, mas creio que do mundo, sem sombra de dúvidas: A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa.”
Hoje, quando me debruço novamente sobre esse conto, saio com a nítida sensação de que é impossível sair incólume a sua leitura. Aliás, creio que seria impossível a sair indiferente a qualquer obra sua.
A literatura de Rosa olha por baixo da linguagem corrente para encontrar “rios profundos”, as idéias e os sofrimentos eternos.

A composição do conto é épica.
Onde fica a terceira margem? Não sabemos. O título do conto, não aparece em momento algum no texto. Simplesmente um pai de família, mandou fazer uma canoa e partiu para o rio, e ficou vagando, como uma assombração. Os motivos? Também não são ditos. E no relato do conto, vemos que o pai de família, era um homem sensato, porém, tímido em demasia. Sua mulher, pelo contrário era ralhenta. O filho mais apegado ao pai, que inclusive é o narrador do conto, quando viu partir em sua canoa, até quis ir junto com ele, mas foi impedido por seu pai. Os anos se passam, e a cada feito notável do filho, ele sempre dizia:
“‘Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim...’; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade.” Sempre trazia o pai na memória e lhe prestava honras. Contudo, ainda no fundo de seu âmago, se achava culpado pela partida de seu pai.
Todos da família, pouco a pouco, desistem do pai, e partem, cada qual para seu destino. Ficando apenas um filho, no caso, o próprio narrador, que sempre alimentava seu pai.

Muitos podem pensar, mas esse conto, não tem um pé fincado na realidade da vida, e qual será seu proveito? De fato, é meio difícil de conceber, que um homem, mande fazer uma canoa, e que viva nela até o fim de seus dias. Resolvendo partir sem dar nenhuma explicação plausível para isso. Deixando a largo, sua casa, parentes e família.
Para esses que pensam assim, faço coro com as palavras de Mario Vargas Llosa, no seu livro: “A verdade das mentiras”, veja o que ele diz:

“Uma obra de ficção fracassa ou triunfa por si mesma – pelo vigor de seus personagens, pela sutileza de seu enredo, pela sabedoria de sua construção, pela riqueza de sua prosa – e não pelo testemunho que oferece sobre o mundo real. No entanto, nenhuma ficção, por mais auto-suficiente e impermeável à realidade exterior que nos pareça, deixa de ter vínculos poderosos e irremediáveis com a outra vida, aquela que não é criada pela magia da fantasia e pela palavra literária, mas pela vida crua, e não inventada, a vivida.
A comparação entre ambas as realidades – a da ficção e a real – é prescindível em termos artísticos, pois para saber se um romance é bom ou ruim, genial ou medíocre, não faz falta saber se foi fiel ou infiel ao mundo verdadeiro, se o reproduziu ou o mentiu. É seu intrínseco poder de persuasão, não seu interesse documental, que determina o valor artístico de uma obra de ficção.”


E em termos de persuasão, esse conto sobeja em suas linhas.

Arrisco a dizer que uma possível leitura desse conto, das múltiplas opções que ele oferece, é que podemos dizer que: “A terceira margem do rio”, sugere para nós, um lugar que ainda não existe. Lugar de desejo, esperança, felicidade que cada um deve partir em busca, e trilhar esse caminho – sozinho.
No final do conto, temos seu clímax, quando o filho toma coragem e pede para substituir seu pai, na canoa. Quando o pai vem se aproximando, e até num ato de afeto, lhe acena. O coração do filho dispara, e ele abandona seu pai. Faltou-lhe coragem.
A grande questão que fica para nós, é que será que temos coragem, de fazermos como o pai? Que largou tudo em busca da sua felicidade? Ou quem sabe, uma possível felicidade? Óbvio, que não quero aqui, dizer que temos de tomar atitudes tão extremas, como essa adotada pelo pai; mas será que no trivial da vida, temos essa coragem, de buscarmos a felicidade? Ou será que abrimos mão, como o filho fez? Será que temos a coragem de abandonar um emprego que nos faz mal? Largar um relacionamento, que ao invés de gerar alegria, gera dor? E muitas outras coisas nesse sentido...
Temos essa coragem? Sinceramente não sei, e a resposta aqui é pessoal e de cada um.

Contudo, é bom citar novamente Pessoa:

“Sentir? Sinta quem lê!”

E cada um vai sentir e ter seu próprio entendimento do conto “A terceira margem do rio”. Uma coisa é fato, impossível após sua leitura, não ser tocado e sair com a cabeça borbulhando sobre o que ele quer nos dizer...
Mas para isso, tem que ler e sentir...

***

3 comentários:

  1. Que Saudades rapaz, tudo bem? Cara, mais vontade sinto agora de ler esta bela obra. Grande abraço amigo!!!! Quando der, pois estou sem crédito, ligarei para você. Abraços.

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  2. Ana Paula Maziero27 janeiro, 2010 18:58

    Prometo que irei ler o seu blog por completo.

    abraços

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  3. Marcelo, parabéns pela nova roupagem do blog, realmente ficou excelente!

    Quando lemos um texto, cada um de nós possuí a sua própria interpretação, por conta disso, cada qual sabe onde está a sua terceira margem do rio, pois, cada um de nós sabe o que nos faz feliz e o que nos faz infeliz.

    Adorei!

    Beijos!

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