quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

EXCERTOS DA 7ª ARTE (PARTE VII)



A RONDA DOS PRISIONEIROS DEPOIS DE DORÉ (1890), DE VAN GOGH.



Uma análise é feita no espírito de seu tempo. Hoje, a sociedade deixou de viver sob o reinado do pai, dos grandes ideais – condição caracterizada pelo filósofo francês Jean-François Lyotard (1924-1998) de pós-moderna. Esta se mostra da desestruturação dos saberes estabelecidos e no anonimato do modo de vida atual, produzindo laços sociais desarrumados e uma individuação extremada.

O efeito da pós-modernidade é a menor afetividade da função paterna, o que acarreta um sujeito sem referência. Este, vivendo em uma civilização condicionada pelo discurso da ciência e pela globalização do capitalismo, marcado pela ausência de ideais, corresponde ao fenômeno moderno da desaparição dos valores. Só uma coisa vale: a lei do mercado.

Jacques Lacan (1901-1981), notável psicanalista francês usou a expressão “discurso do capitalista” para apontar o espírito atual. Nesse contexto, pode-se falar em um sintoma moderno, no qual o sujeito procura sua completude no consumo de objetos.

Vivemos uma época em que as bandeiras não são mais hasteadas. Os grandes ideais morreram. Cada um busca seu próprio interesse. Falar sobre engajamento? Militar sobre uma causa nobre? Isso até existe, mas são raros, como o canto do uirapuru. Contudo, graças a Deus por essas expressões multiformes de resistências, que existem, e que nos ensinam dia a dia, que mudar é possível.

Nesse final de semana, tive a oportunidade de assistir o filme: INVICTUS. Que surge como um sopro de alento em nossos dias. A película é de direção do excelente Clint Eastwood, fato que por si só, já garante sua qualidade. Nele vemos o recém-eleito, Mandela ou Madiba, que sabe que seu país permanece dividido racial e economicamente após o fim do apartheid. Acreditando ser capaz de unificar a população por meio do esporte, o presidente apóia o desacreditado time da África do Sul na copa mundial de rúgbi de 1995. Indicado ao Oscar de melhor ator (Morgan Freeman, no papel de Mandela) e o ator coadjuvante (Matt Damon, que interpreta o capitão do time rúgbi – François Pienar). A atuação de ambos dispensa comentários.

O filme foi lançado numa ocasião oportuna, pois no dia 11 de fevereiro, milhares de sul-africanos festejaram os 20 anos passados desde que o ícone da luta contra o apartheid foi libertado, após 27 anos de prisão, como preso político. Madiba foi o primeiro presidente negro de um país que tinha sido dominado pela minoria branca durante 300 anos.
Madiba durante sua Presidência (1994-1999) fez uma campanha de reconciliação, que é vista como a responsável por unificar o país racialmente dividido, deitando bases da democracia que governa a África do Sul, maior economia do continente africano. Ele libertou todos do apartheid. Antes, nunca se misturavam. Brancos, negros e mestiços –viviam separados, hoje estão misturados e são uma só nação.

Qual a reflexão do filme? Que nosso dever é lutar pela transformação deste mundo que nos desumaniza. Sempre tendo em mente, que ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão, já ensinava o imortal mestre Paulo Freire.
Nossa subjetividade é formada no mergulho neste mundo, intervimos nele e na formação de outros sujeitos e somos influenciados pela realidade e por outros sujeitos. Nossa singularidade é construída a partir dos outros e do mundo.
Neste sentido, nossa intervenção no mundo, como seres que não apenas se adaptam, mas que buscam modificá-lo, a partir de uma compreensão crítica da presença no mundo, implica em assumir a história como tempo de possibilidade e não de determinismo, o futuro como problemático e não inexorável, reconhecendo que somos condicionados e não determinados, e portanto, que mudar é difícil, mas é possível.

Que esse poema, que fez parte da vida de Mandela, e que o sustentou durante esses 27 anos de prisão, como mostra o filme, seja parte integrante da sua vida e que fique escrito na tábua do seu coração, como ficou do meu:

INVICTOS

“Fora da noite que me cobre,
Negro como o poço de pólo a pólo,
A qualquer Deus; se algum acaso existe.

Por minha alma inconquistável, agradeço,
Nas garras das circunstâncias,
Eu não vacilei e nem me ouviram chorar.

Sob os golpes do acaso
Minha cabeça sangra mas permanece ereta
Além deste lugar de rancor e lágrimas.

Somente o Horror das sombras se anuncia
E mesmo a ameaça dos anos
Encontra, e há de encontrar-me, destemido.

Não importa quão estreito o portão,
Quão repleto de penas o veredicto,

EU SOU O MESTRE DO MEU DESTINO:
EU SOU O CAPITÃO DA MINHA ALMA.”


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