quarta-feira, 28 de julho de 2010

OFICINAS NO CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIÍTALO



“Personagem a uma janela” (1925), de Salvador Dalí

Estou em festa. Digo, melhor: meu coração. Pois foi aprovado uma série de projetos meus no Centro Universitário UniÍtalo, dos quais, aqui segue um resumo, de uma das oficinas de reflexões pedagógicas que irei realizar nessa instituição de ensino. Essa será sobre: HANNAH ARENDT: E SEU OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO, nos dias 18 e 25 de Setembro/2010.

Aguardem novidades...



“A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo.”


(Entre o Passado e o Futuro, ed. Perspectiva, pág. 239.)


Existem pensadores que passam e não deixam marcas. Já Hannah Arendt (1906-1975) é bem o contrário disso. Pois deixou marcas indeléveis no mundo, com seus pensamentos, aos quais nos torna impossível sair incólumes a eles. E ao elaborarmos uma breve biografia dessa importante pensadora, prestamos uma homenagem a ela, cuja vida foi dedicada a pensar e agir no mundo.

Hannah Arendt nasceu em Hannover, na Alemanha, em 14 de outubro de 1906, descendente de uma família de judeus comerciantes de Konungsberg, na Prússia Oriental. Quanto tinha 7 anos, seu pai morreu de uma sífilis contraída na juventude. A mãe adorada ausentava-se freqüentemente para curas terminais ou visitas a parentes e suas ausências deixavam Hannah com o temor de ter sido abandonada para sempre (décadas depois, ela tentará explicar o totalitarismo pelo terror que cada um experimenta na solidão absoluta). Vivendo entre intelectuais judeus alemães que procuravam na filosofia um substitutivo da religião, ao mergulhar nas enigmáticas lições de Martin Heidegger, apaixonou-se pelo mestre, e tornou-se sua amante em 1925. Em 1928, após concluir sua tese de doutorado sobre o conceito do amor em Santo Agostinho, iniciou suas pesquisas para a biografia Rahel Vanhagen, a vida de uma judia alemã no tempo do Romantismo, que a levaria ao estudo da história dos judeus alemães.

Em setembro de 1929, Hannah Arendt casou-se com Gunther Stern, colaborador de Bertolt Brecht. Alguns dias após do incêndio criminoso do Reichstag em 27 de fevereiro de 1933, atentado que os nazistas atribuíram aos comunistas para persegui-los abertamente, Stern partiu para Paris, sem Hannah. Na Universidade de Fribourg, Edmund Husserl, pai da fenomenologia, era expulso, enquanto Heidegger, nomeado reitor, exaltava Hitler. Arendt interpelou-o sobre os rumores que a perturbavam: de que ele excluía os judeus de seus seminários, não cumprimentava os colegas judeus no campus, recusava orientar judeus. A carta enfureceu o mestre, que respondeu enumerando todos os favores que concedera a judeus. Mas Hannah não teria tempo de confirmar a “bondade” do professor: perseguida por suas atividades junto à Organização Sionista Alemã foi detida pela Gestapo; conseguindo escapar, iniciou um longo exílio.

Hannah Arendt retornaria à Alemanha em 1949 para inventariar o que restava dos tesouros culturais judaicos. Em 1950, visitou Heidegger, que a convenceu de sua “inocência”. Ela se tornaria sua agente literária na América. Ao mesmo tempo, acompanhando as sessões do Tribunal de Nuremberg, Hannah empreendeu o monumental estudo As Origens do Totalitarismo, publicado em 1952, que lhe valeu o conhecimento internacional como pensadora. Ela via na atomização da sociedade de massas a condição para o surgimento de sistemas totalitários como os de Hitler, Stalin e Mao Tse-tung. Com os campos de extermínio, escreveu: “já não podemos nos dar o luxo de extrair aquilo que foi bom no passado e simplesmente chamá-lo de nossa herança, deixar de lado o mau e simplesmente considerá-lo um peso morto no tempo, por si mesmo, relegará ao esquecimento. A corrente subterrânea da História Ocidental veio à tona e usurpou a dignidade de sua tradição.” Fenômeno novo na História, o totalitarismo não se confunde com a ditadura, o despotismo e a tirania; tratava-se de uma tirania de massas, centralizada por um líder, mas expandindo-se além de todas as fronteiras, num torvelinho que aglutina todas as dimensões da História e da condição humana. Seu único objetivo é a dominação total de todos os indivíduos, sem nenhuma consideração de interesses locais, em prol de um ideal inacessível. Partindo da ralé, atraindo as elites e transformando as classes em massas, fanatizadas pelo medo à solidão, o movimento totalitário chega ao poder através da propaganda do terror, que duplicam o mundo real, envolvendo-o em fantasmagorias. O gigantesco aparelho policial cria para os “inimigos objetivos” definidos pela ideologia “fábricas de morte” e “poços de esquecimento”. Aquele que coincide com a figura do “indesejável” é arrastado para o nada, com todos aqueles que um dia voltaram como Lázaros ao mundo humano. Hannah Arendt concluía seu estudo com a percepção da superfluidade dos homens na era atômica: com a crescente automação das indústrias, a tentação dos futuros regimes totalitários será exterminar grandes populações desempregadas, inúteis e famintas.

Em 1959, Hannah Arendt convenceu a Universidade de Princeton a publicar o grande livro de Raul Hilberg, “A Destruição dos Judeus na Europa”, o primeiro a revelar toda a complexidade do Holocausto. De 1965 até sua morte, Arendt retornou à filosofia “pura”, de que a obra póstuma: “A Vida do Espírito” foi a maior expressão. Mais integrada que apolítica, ela preferia Camus a Sartre (que detestava) e Jaspers a Adorno (“um dos homens mais repugnantes que conheço”). Foi no campo da moral que ela se mostrou ainda mais radical, ao lançar questões espinhosas como esta: “Por que não deveria matar minha avó se eu quisesse? Tais questões, e outras como similares foram respondidas, no passado, pela religião e pelo senso comum. A resposta dada pela religião é: porque você vai para o inferno e sofrerá a condenação eterna. O senso comum responde: porque você próprio não quer ser morto. Ambas as respostas não funcionam há muito tempo (...). A resposta filosófica seria a de Sócrates: já que tenho de viver comigo mesmo, cuja companhia terei de suportar para sempre, não quero passar minha vida na companhia de um assassino”.

Essa “banalidade do mal” é o tema de sua obra mais polêmica: Eichmann em Jerusalém. Ela descreve o julgamento de um autômato humano que organizou, sem ódio aparente, o assassinato de 6 milhões de judeus, apenas cumprindo seu dever. Eichmann chefiava a burocracia do extermínio dos judeus, mas era apenas um entre milhares de outros funcionários desconhecidos dos serviços públicos do 3º Reich. Este discreto assassino de massas coordenou transportes para os campos de morte, retrabalhou os roteiros de viagem, visitou Auschwitz e Maidanek para obter uma impressão própria dos processos técnicos de matança e empenhou-se em obter o melhor aproveitamento das câmaras de gás. Não sujou suas mãos; não era um sádico que gozasse o sofrimento das vítimas, mas um burocrata sem fantasia para medir a monstruosidade que organizava; não torturava, fuzilava, gaseava ou cremava os corpos; fazia o trabalho de escritório. Um trabalho cuja conseqüência direta foi a destruição de dois terços da população judaica na Europa.

Mesmo discordando da forma como o julgamento transcorrera, Hannah Arendt jamais pretendeu que Eichmann fosse absolvido. Ela só lamentava que a justiça da condenação de Eichmann à morte não tenha emergido para ser vista por todos. Para isso, teria sido preciso que os juízes se dirigissem ao réu nos seguintes termos: “A política não é um quarto de crianças; na política a obediência e a perpetração são a mesma coisa. E exatamente por instigar e praticar uma política de não querer dividir a terra com o povo judeu e aos povos de várias outras nações – como se você e seus superiores tivessem qualquer direito de determinar quem deveria habitar o mundo – achamos que ninguém, isto e, nenhum membro da raça humana, quer dividir a terra com você. Esta é a razão, a única razão, pela qual você deve ser enforcado”, concluiu.

A recente atenção às idéias de Hannah Arendt, atestada também entre os educadores, revela um interesse tão tardio quanto indispensável. Isso porque as reflexões arendtianas podem ser tomadas como uma espécie de compêndio das tensões cruciais que designaram o século XX e que, sem dúvida, perduram em nós.

Banalidade do mal; o totalitarismo em suas origens; a crise da autoridade e da tradição; amor mundi. Trata-se de alguns conceitos gestados por essa pensadora que talvez seja o maior representante daquilo que, de modo contrário a barbárie, o século passado também nos legou: a possibilidade de perplexidade e, por extensão, a coragem de penar/agir adversativamente.

Hannah Arendt entendeu que quando há eventos que promovem rupturas em nossa existência, impedindo que o mundo permaneça sendo a casa que nos acolhe e abriga, precisamos desesperadamente compreendê-los, para que possamos nos reconciliar com esse mundo e voltarmos a nos sentir em casa nele. Eis o legado dela para o mundo e, em particular, para a educação.

Face aos horrores de seu tempo, dos quais é ao mesmo tempo testemunha ocular e sobrevivente, ela convocará a vinculação possível e necessária entre o “pensar” e o “agir”, desalojando o primeiro da alçada dos filósofos e o segundo, da jurisdição dos políticos. Para ela, filosofia e política, reconciliadas mais uma vez, seriam prerrogativa e obrigação de todos aqueles encarcerados em “tempos sombrios”. E podemos encontrar no território escolar uma morada provisória ou, em seus termos: “um dos últimos suspiros daquilo que um dia foi o campo do mundo público e da política na própria escola”.



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