quinta-feira, 5 de junho de 2008

CONTO: IMPRESSÕES NOSSAS DE CADA DIA


O vento congelante do inverno de São Paulo, batia em meu rosto, enquanto subia uma ladeira íngreme, rumo ao ponto de ônibus. Estava quase congelando, e para piorar tudo – tive um dia de cão na empresa. Aliás, ultimamente quando entrava no trabalho, no início do expediente, automaticamente já me via a mente, uma vontade enorme de ir embora. E durante o dia, olhava no relógio pelo menos umas trinta vezes. E obviamente, quanto mais olhava para o relógio, mais tinha a sensação de que a hora estava estagnada, e o maldito do meu relógio com defeito. Veio-me a mente o ditado popular diuturno: “Pagando bem, que mal tem?”, e recordava em minha memória, todas as empresas que já tinha trabalhado, e cheguei a conclusão – de que nunca vivi esse bordão popular. E que sempre meus salários foram medíocres e o estresse nas alturas.

Já fatigado, cheguei finalmente ao ponto. Dei uma rápida olhada no relógio – eram dez e quarenta da noite. Tive uma leve sensação de alegria, pois o circular que pegava sempre, passaria daqui a cinco minutos, e pensei comigo:

- Pelo menos isto meu Deus. Assim poderei dormir mais cedo, depois de mais um dia...

Quando olhei ao redor, notei que o ponto estava vazio. E isto era um fato novo, pois sempre teve um bom número de pessoas ali, mesmo sendo já tarde. Uma sensação de medo se acercou de mim. Pois neste mesmo lugar, nos últimos meses foi alvo de uma série de assaltos; e no último de forma brutal, um aposentado tinha sido alvejado com dois tiros na cabeça. E segundo disseram as poucas testemunhas ao jornal:
- Isto ocorreu porque ele demorou a entregar sua carteira ao assaltante.

E hoje, eu ali suando frio, mas não pelo frio em si, sim agora pelo medo.
Três pessoas chegaram rapidamente, e logo entraram apressadamente no ônibus que estacionou, com destino ao terminal Santo Amaro.
Por alguns instantes fiquei só, mais uma vez. Mas não tardou muito, para que eu avistasse a silhueta de um homem dobrando a esquina, e caminhando a passos largos; rumo ao ponto em que eu me encontrava. Foi o suficiente, para que a adrenalina em meu corpo tomasse conta de mim. Sua aparência era horrível, usava um sobretudo rasgado, sujo, cabelos e barba por fazerem, e um rosto assustador, cujos olhos se firmaram em mim, como se quisessem dizer-me algo.
Esquivei o rosto, e dei uma rápida olhada, discreta no relógio, eram dez e quarenta e dois, faltavam apenas três minutos, para acabar aquele suplício – de fim de noite. Mas para mim, já pareciam que seriam os três minutos mais demorados de toda minha vida. Uma eternidade.

Tomei um susto, e esforcei-me para não deixar transparecer isto, quando o sujeito estava bem próximo de mim, e não percebi sua rápida aproximação; e perguntou-me:

- Boa noite, por um acaso, o senhor teria fogo?

Sem olhar para seu rosto, meio trêmulo ainda, respondi:

- Não fumo.

Por alguns instantes, tudo ficou em silêncio. Que foi interrompido, quando ele tornou a perguntar:

- Esse ponto é assim mesmo? Ou seja, sempre vazio?
- Não. Hoje é uma exceção, talvez seja o frio. Respondi já aflito.
- Sabe, hoje tive um dia terrível, acabei de ter alta do hospital, e os médicos queriam amputar minha perna direita. E não permiti isto, mesmo estando um pouco imóvel e meio inchada. Mas ainda consigo andar bem.

Esses sujeitos espertinhos. Todos iguais. Este quer me distrair com essa estória comovente, sem pé, nem cabeça, para me assaltar logo em seguida. E ainda meio sem jeito indaguei:

- Mas o que lhe sucedeu para estar neste estado.
- Fui atropelado numa calçada da Avenida Ibirapuera. E o motorista fugiu sem prestar socorro.

Por mais que olhasse atentamente não consegui notar, sinas de atropelamento no homem. Deduzi, que realmente ele estava me enrolando, com o intuito de me assaltar. E quando estava ainda refletindo sobre estas coisas, novamente parou no ponto um ônibus com destino ao terminal. O homem com dificuldade, encaminhou-se para o veículo, olhou para mim, e disse:

- O senhor, poderia me ajudar por favor, a subir no ônibus, minha perna ainda está meio imóvel, pode ser?

Fiquei paralisado por alguns segundos, refletindo sobre minha total e ignorante impressão que tive do pobre sujeito.

- Claro que sim! – respondi.

E meio estabanado corri e ajudei o homem a subir os degraus do veículo. E logo em seguida, finalmente meu ônibus chegou. Enquanto me acomodava no banco, ao lado de uma senhora; a imagem do homem, não saia da minha mente. Que dia... Não bastasse a empresa, agora todo sujeito que fica em um ponto de ônibus, usando sobretudo para mim é ladrão. Mas sabe de uma coisa, tive este pensamento, por causa desta total insegurança que é viver em São Paulo; pois de fato, quando saio de casa, não sei se volto. E a violência está em todo lugar. Logo o receio de aproximação das pessoas, faz com que eu tenha está atitude deplorável. E chegue a pensar, que seria realmente assaltado.

Enquanto o ônibus atravessava as ruas de São Paulo, filosofei comigo mesmo:

- Em terra que reina urubu, quando surge um sabiá – não passa de uma mera miragem.

Assim minha consciência, achou consolo para algo que é inconsolável...

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