segunda-feira, 18 de agosto de 2008

MINHA HERANÇA

“ – Eis o meu segredo. É muito simples:
só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”
(O pequeno príncipe, Antoine de Saint-Exupéry.)

Quando estava avançado em dias, sentei-me sobre o banco do meu jardim, e enquanto contemplava as rosas, palmeiras, árvores, cantos dos pássaros e o leve voar das borboletas, comecei a rever como num filme, os vários momentos da minha existência, e tudo que vivera até aquele momento. E dei-me conta, de que tudo que me propus a fazer ao longo destes anos, sempre girou em torno desta eterna busca: ser feliz. Que é algo almejado por toda a humanidade, desde tempos mais remotos. Para uns uma busca ingrata; fonte de desilusão e desesperança. Já para outros o supra-sumo glorioso da existência humana. O fato é que qualquer um deseja isso, em maior ou menor grau.
A vida é paradoxal. Não obedece a lógica nenhuma; totalmente sem sentido. Ambivalente. Extrapola nosso vão pensar. Nem sempre justa. Comecei a estruturar meu pensamento desta forma e a encarar a vida assim, quando ainda pré-adolescente testemunhei um fato que seria impossível sair incólume. Tal ocorrência aconteceu numa cidadezinha do interior, que me foge o nome agora, mas sei que a tal cidade era afastada de tudo e de todos. Um lugar inóspito, por conta do clima árido e causticante. O sol se impunha peremptório e gastigava todos. Além disso, as perspectivas de vida eram tacanhas. Até hoje não sei o motivo que levou meu pai a escolher essa cidade para morar; nunca me contou, mesmo anos mais tarde quando questionado, talvez se arrependesse amargamente dessa escolha; e repudiava a menor possibilidade de lembrança daquele tempo. Tínhamos vizinhos extremamente pobres. E nossa família também não vivia em melhor condição do que essas. Todavia, uma família em especial era rica. Possuíam bens em abundância e ditavam as regras da cidade. Eram esnobes e mesquinhos. Tratavam a todos com desdém e davam risadas, quando alguma desgraça sobrevinha sobre alguém. E assim sucedeu, pois na casa dos Castros que eram um dos nossos vizinhos mais íntimos e chegados; o filho homem tão esperado por eles (pois já tinham seis filhas) veio ao mundo, mas morreu poucos dias depois; de sépsis. Já na família dos Reis, que eram os ricos da cidade, o filho de Ruy Reis, veio ao mundo perfeitamente saudável, e daria seqüência ao nome da famigerada família. Tudo isso presenciei, em meio ao pranto da família Castro, sobre o desastre que sobreviera sobre eles, e a dor dilacerante da perda do filho tão esperado e amado, de fato – eles mereciam essa alegria. Em contraponto, vi também a notícia estampada na primeira página do jornal da cidade, que informava o mais novo rebento varão dos Reis. Por dias, não consegui dormir direito, nem comer, pois sempre ficava pensando sobre isso. Como poderia suceder assim? Alegria de uns e tristeza de outros? Por que uma família, que não fazia mal a ninguém, estava sofrendo tanto? Enquanto a outra família – extremamente infame, desfilava pela cidade e festejava a chegada do recém nascido? Isso me acompanhou até a fase final da minha adolescência, quando finalmente consegui atinar que: bem e mal, sucede tanto ao justo e puro de coração, quanto para o injusto e torpe de alma. Isso é a vida. Contudo, não me tornei um cínico no que diz respeito ao viver; mas sim uma pessoa que aprendeu a encarar a vida e sua realidade de frente. E não abandonar o jogo, mesmo se porventura tenha pegado uma mão de cartas ruins...

Graças aos pedidos intensos da minha mãe, nos mudamos do interior. Fomos morar na cidade; nela já adolescente aprendi mais uma lição: não ser apressado. Quando pré-adolescente queria que o tempo fosse célere. Pois desejava ser mais velho, como os outros meninos da escola que faziam sucesso e eram populares. Ledo engano juvenil, e quis voltar atrás; mas já era tarde demais, pois assim que atingi a adolescência, vieram também às responsabilidades; e a melhor fase da minha vida, que foi a infância, tive a sensação de que não a aproveitei bem e como deveria. Ela passou muito rápida, como num abrir e fechar de olho. Vivemos sob este paradigma: os jovens querem envelhecer rapidamente, e quando finalmente envelhecem, se dão conta do erro que cometeram e desejam voltar a ser jovens. Aprendi com isso, que pressa só aumenta a distância da felicidade. E que exemplos exteriores, não devem ditar a agenda da nossa vida, em hipótese nenhuma. Se tivesse atinado com isso antes, teria me poupado de muitos males.
Finalmente adulto. Busquei ainda mais intensamente a felicidade. Pensei que ela estava nas mulheres; e empreendi minha campanha de Don Juan, conquistei muitas, mas não me deixei conquistar por nenhuma e nem fui conquistado por alguma delas. Foi em vão e correr atrás do vento. Só fui me atentar para isso, anos depois.
Passado algum tempo, iniciei outra busca novamente como um doido, só que essa perdurou por anos a fio, e levou-me meus melhores anos. Meu coração agora queria: fama e dinheiro; pois pensei comigo:
- Claro! Que só pode estar ali. Como não tinha pensando nisso antes?
Não estava...
Consegui ambos, o dinheiro veio da minha atividade como empresário de empreendimentos imobiliários, aliás, comecei como corretor de imóveis. A fama veio a reboque, pois me tornei o mais bem sucedido entre meus pares, e por conseqüência o mais visado. Mas para obter isso, fui arruinando minhas relações com pessoas que realmente me amavam; pai, mãe, irmão e amigos, passei como um rolo compressor por cima deles. Pois todo meu tempo e cabeça eram só para isso: amealhar riquezas e ser uma celebridade. E hoje aqui sentado, neste jardim, quando relembro tudo isso, vejo o quão errado e cego estava. Dizem que Sócrates, quando estava cansado e queria arejar as idéias, ia à feira em Atenas, e quando algum vendedor o indagava se deseja alguma coisa, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.” Sábias palavras. Pena que não dei ouvidos a elas antes. Pois busquei ser rico, para ostentar meu poder e ter tudo o que desejasse meus olhos:
- Não me negaria nada! Disse comigo mesmo.
E não contente, queria ainda ser uma celebridade.Só que ali não estava a felicidade. E qual o saldo, desta aventura de longos anos? Simples, dei-me conta, de que necessitamos de muito pouco para ser feliz. E que a felicidade se encontra nas coisas simples da vida. Como num prosear com os amigos, um almoço em família, um beijo, abraço. Ser amado e amar. E nunca seremos felizes o tempo todo, isso é uma falsidade e irreal – pois não condiz com a realidade da vida. E ninguém é feliz trezentos e sessenta e cinco dias por ano. De fato a felicidade está em pequenos momentos. E nestes pequenos momentos, é que devemos celebrá-los intensamente com todas nossas energias, pois são fugazes, porém, eternos. Eis minha herança.

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