O PINTOR DA TORRE EIFFEL (1954) DE MARC RIBOUD
Ambos
moravam na Cidade Eterna. Em um desses dias que ninguém entende muito bem,
enquanto caminhavam por Roma (que exala história por todos seus poros) tesouros
arquitetônicos, igrejas repletas de obras de arte, ruínas e esculturas da
capital do Lazio, suas vidas se cruzaram num breve instante em que trocaram
olhares. Não demorou muito entre o namoro, noivado e casamento. E lá estavam
ambos já almoçando a tradicional gnocchi
alla romana[1] preparada com profundo
esmero por Paola Percussi. Após esse banquete dos deuses, como sempre, se
puseram a caminhar rumo ao Sant’Eustachio Il Caffè, localizado na Piazza
Sant’Eustachio, 82 – para apreciarem o macchiato
sagrado. Enquanto seguiam seu rotineiro percurso, todos da rua apontavam a augusta
união do casal.
Paola
vinha de uma família tradicional do Lazio e de muitas posses. Era do tipo de
mulher infatigável, inteligente e de beleza rara. Não por menos, sempre se
impunha e sobressaia sobre as demais irmãs e irmãos. Era a primogênita e fazia
prevalecer isso. Já César Barolo Barcley, vinha de uma família sem posses. Seu
pai, era um inglês que lutara na Segunda Guerra Mundial, e que após a mesma,
resolveu ficar em Roma, dizem as más línguas que era um desertor. Não demorou
muito, voltou para sua terra em busca do seu whisky e da sua rainha. Deixando
para trás Cláudia Barolo, grávida ainda de sete meses e seu sobrenome apenas
para seu filho. César nasceu em seguida de forma prematura; quase não
sobreviveu – mas conseguiu triunfar para a vida, há muito custo...
Sua mãe desgostosa do incidente e
dos homens, não teve mais filhos; e se dedicou de corpo e alma ao seu filho
único: César Barolo Barcley. Ele tinha um dom nato e raro, talvez o único que a
sábia natureza ou os deuses lhe tinham reservado: uma memória prodigiosa! Sua mãe
anos mais tarde, quando Barcley já era um sucesso retumbante e mundial,
lembraria esse fato em rede nacional, num programa sensacionalista e de fofocas
de Roma, que ele era capaz de montar um quebra-cabeças de 1000 peças em apenas
45 minutos, e isso ainda com 7 anos de idade...
Cláudia Barolo, sempre teve em
mente que seu filho por levar o nome de um grande imperador romano, estava
destinado a grandeza. E de fato estava, pois de rapaz franzino, miúdo e tímido,
César Barolo Barcley, se tornou num dos maiores Sommeliers da Cidade Eterna e
do mundo. Os donos de lojas de vinhos do mundo inteiro, diziam como se numa
única voz, que o maior problema que enfrentavam na vida comercial deles, era
César Barolo Barcley. Pois os vinhos a que ele dava menos de 85 de nota – não
conseguiam vender; os que ele dava mais de 90 eles não conseguiam comprar dos produtores,
devido aos preços estratosféricos. E assim lá foi Barcley, galgando sua estrela
e seu lugar ao sol, no endinheirado universo do vinho mundial.
-
Cameriere, o macchiato de sempre.
-
Claro Sr. Barcley, acomode-se aqui com sua esposa.
-
Paola, depois que voltar da Fete Le Vin
Bordeaux, que tal viajarmos para a Dinamarca?
-
E o que tem lá Barclay de interessante?
-
O povo é lindo, o cenário é de contos de fadas e o desenvolvimento social
aponta para os índices mais altos do mundo. Na Dinamarca, todo mundo ri à toa.
Inclusive quem a visita – e, invariavelmente, volta de lá encantado.
-
Veremos querido. Veremos. E por que eles riem tanto?
-
Il mio amore, a Dinamarca é o país
mais feliz do mundo. E não sou eu quem está dizendo, mas sim a Organização das
Nações Unidas (ONU), que chegou a essa conclusão após especialistas em
economia, psicologia e estatísticas analisarem, em quase todas as nações do
planeta, uma série de medidas de bem-estar e índices de desenvolvimento social.
A verdade, no entanto, é que nem havia a necessidade de fazer pesquisas
aprofundadas para compreender isso.
-
Sim, quem sabe Copenhague tenha lá seus encantos Barcley.
-
Sem dúvida Paola! E parte de onde estou indo, é conhecer de onde eu venho, e as
últimas notícias que tenho do meu pai, é que ele mora lá atualmente.
-
Então vamos il mio amore! Disse Paola
já pensando nas aventuras dinamarquesas.
-
A proposito fez meus discursos para a Fete
Le Vin Bordeaux? Viajo hoje à noite.
-
Claro amore! Está em sua bolsa,
dezessete textos de degustações, basta que leia e que sejas aclamado como
imperador em terras francesas.
-
Grazie, il mio amore!
Naquela
mesma noite, lá se foi para Bordeaux, via
Aeroporto Internacional de Roma – Leonardo da Vinci, César Barolo Barcley, o
mais esperado sommelier do evento, não levava muita coisa em sua mala, de
importante mesmo eram as dezessetes descrições de degustações que sua amada
esposa tinha escrito para ele. Como era dotado de uma memória fora do comum, no
vôo mesmo de Roma para Paris, decorou toda sua fala.
O
último vinho que degustara às cegas no famigerado evento Fete Le Vin Bordeaux, foi
uma pegadinha dos organizadores, pois ao invés de colocarem vinhos só dessa
região, esse último era de Borgonha, um autêntico pinot noir respeitável,
chamado: Lupé Cholet – Chatêau Gris
Monopole Nuits Saint George 1 er Cru de 2007. Barcley, cheirou uma, duas
vezes, balançou a taça no ar, cheirou a terceira vez, deu um leve gole, após
alguns segundos com o sagrado líquido em sua boca, balançou a taça no ar
novamente (como se fossem as bailarinas azuis de Degas) e bebeu um longo gole
do vinho. Respirou fundo, tirou a venda dos olhos e se pós a falar em tom de
Deus:
-
De tudo que provei hoje, esse destoa dos demais. Creio que seja violáceo indo
para o rubi (sua cor), média concentração, sem halo. Complexo, cereja, terroso,
couro, mineral e toque de incenso. Na boca, tripé correto, corpo médio,
retrogosto frutado. O melhor que provei hoje, sua elegância é poesia ao meu
paladar – já cansado.
Os
organizadores não sabiam onde se escondiam, pois por se tratar de uma região
diferente, imaginavam que não se sobressairia sobre os seus vinhos de Bordeaux, e a melhor análise feita por
Barcley foi essa – e quando baixaram os véus dos vinhos, todos ficaram
espantados com a grandiosidade e precisão de Barcley e o aplaudiram de pé. O Le Monde fez matéria de capa –
aumentando ainda mais a gafe vergonhosa dos organizadores que pensavam que
colocariam Barcley na berlinda. Seu nome crescia em graça e espírito mais e
mais, sua fama já enorme, tinha alcançado patamares de hors concours! O paraíso era o limite para ele!
-
Paola, será que ele se deu bem com os discursos que montei para a Fete Le Vin Bordeaux?
-
Que importância isso tem mio amore?
-
Nenhuma Paola, venha cá...
Viajaram
para Dinamarca, como se nada tivesse ocorrido. E quando voltaram da viagem,
César Barolo Barcley, retomou suas atividades de sommelier mundial e estelar,
novamente se pós a viajar pelo mundo, com seus discursos prontos a tiracolo,
dados por sua esposa. Não deu outra, em cada evento que participava, teve mais
um triunfo para sua coleção.
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