PORCOS DEBAIXO DE UMA ÁRVORE (1910-1911) DE FRANZ MARC
Para se fazer um autêntico jamón* basta um porco pata negra e uma
azinheira. Porco pata negra, azinheira e fantasia. Mas, na falta do porco,
basta à fantasia. Porém, no ano de 1960 quase se acabou inclusive essa
fantasia, foi quando a temida peste suína africana chegou primeiramente em
Portugal e depois rapidamente se alastrou pela Espanha, praticamente devastando
a vara de porcos patas negra da região de Extremadura – na Espanha, que é o seu
principal expoente.
A fazenda Pujol que tradicionalmente
realizava todo ano sua festa de confraternização, batizada de “A festa negra” após
essa hecatombe suína, foi quase a bancarrota, pois, além disso, estava
endividada há tempos e sem sua produção anual de jamón pata negra, estaria
perto do seu fim. Paco Pujol, conhecido como “o artista” era o proprietário
dessa fazenda em Extremadura, e quando teve de abater todos os seus porcos
infectados, o fez com uma resiliência digna de quem perde uma guerra, mas
mantém a cabeça de pé. Viver é também saber aprender a perder.
Um ar sombrio se abateu sobre a Espanha e no mundo nessa
época; já que o jamón pata negra estava comprometido e muitos ficariam órfãos
dessa fina iguaria.
Quando todos os funcionários da fazenda Pujol imaginavam que
nesse ano tão ruim, não teriam a festa, Paco Pujol os surpreendeu, convocando
todos para “A festa negra” que é centenária em sua família e que foi passada de
geração em geração pelos seus antepassados; pois na Espanha, os melhores
momentos da vida são passados entre amigos, ao som do flamenco e acompanhado do
vinho Tio Pepe (Palomino fino) de Jerez e finas fatias do jamón pata negra, e
nesse ano não foi diferente.
Enquanto todos o aguardavam para o discurso inaugural da
festa, o artista estava em seu escritório olhando fixamente para uma replica do
quadro de Franz Marc, chamado: “Porcos debaixo de uma árvore”. Refletia.
Passado
alguns minutos recobrou suas forças e foi para a varanda de sua casa e disse
aos seus amigos e funcionários:
- Sobre esse solo
pobre e pedregoso de Extremadura, sustentam-se um bosque primitivo de
azinheiras, moldadas pela natureza, homem e pelos animais – há milhares de
anos. Os porcos patas negra comem essas castanhas, mais de 10 kg por dia e depois
dormem o sono dos anjos e quando chegam a 180 kg são abatidos, para darem
origem ao sagrado jamón pata negra. Nesse ano queridos amigos toda nossa
produção foi comprometida, ficou apenas algumas peças dos anos anteriores
guardadas, e com elas realizaremos nossa tradicional Festa negra.
Nesse instante os presentes
irromperam com aplausos efusivos, após alguns minutos sobre o pedido de
silêncio de Paco Pujol, ele continuou:
-
O sabor sempre fala sobre algo que não se encontra nas palavras. Para se saber
o sabor do saboroso é preciso ir além das palavras, ao lugar em que o prazer
acontece, e esse prazer acontece exatamente aqui, bem diante dos nossos olhos,
quando formos provar o jamón pata negra.
Um dos seus amigos mais chegados pediu a palavra diante de
todos, e disse a Paco Pujol:
-
Bem sabemos tudo o que lhe aconteceu esse ano. E enquanto meditava em seu
quarto, combinamos aqui entre nós, que não comeríamos o que restou do jamón
pata negra, pois nos seria indigno comer essa iguaria, numa situação como essa.
Depois de alguns minutos pensativo, Paco Pujol, disse:
-
Pelo contrário Santiago Fernandes, hoje é dia de festa e de alegria. Os porcos
que tivemos de sacrificar não voltarão a viver. Nós poderemos ir até eles um
dia – quando morrermos, porém, eles não viriam até nós agora. Então não há
motivo de tristeza. O momento é de festa. Brindemos todos, levantem suas taças
do velho e bom vinho Tio Pepe de Jerez, pois o prazer exige vagareza. Não
tenhamos pressa. Degustem essa farta mesa com os olhos; pois o visto é também
para ser comido. Nunca esqueçam que o sabor é um meio para se viver. O sabor é
o fim para que se vive nessa vida amigos. Não se entristeçam pela minha pessoa,
pois o que sobrou de mim? A alegria da beleza infinita que mora no artista, e
que não pode ser contida e que jamais acaba. Comamos todos!
Depois de ditas essas palavras, todos como se fosse uma
única pessoa, ressoaram:
-
Viva o artista! Viva o artista! Viva o artista!
E os olhos de todos passaram a ver
em harmonia com o seu próprio ser, ainda que em meio à tragédia das perdas. Ao
final, estavam todos transformados em crianças. E experimentaram, por um breve
hiato de tempo, a alegria do paraíso: comeram e brincaram...
***
ResponderExcluirAna Paula Martinez
mo adorei este conto do para negra.. só vc mesmo para criar tudo isso... só arruma uma palavra: os olhos de todos passaram a ver em harmonia com o seu próprio ser, ainda que em meio à tragédia das percas.
arruma o percas para perdas
**pata negra
Olá Aninha,
ResponderExcluirObrigado pelo retorno. Ajustado o acerto.
Merci!
Margareth Cassandra
ResponderExcluirGostei muito...mais da primeira...arremeteu ao leitor a pensar ...de um simples passeio vc tirou argumentos simples e notáveis para refletir sua própria existência... fazendo c q o leitor faça o mesmo... a GRAMÁTICA está ótima.. só farei uma observação: ...faz parte da minha infância do interior...use no interior..."lugar"....desculpe mas preciso falarrrr...rsss...tenho mania de ler observando a gramática...
Gostei bastante.
ResponderExcluirGostei. Da vontade de continuar lendo a história.
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