domingo, 27 de fevereiro de 2022

CRÔNICAS AVULSAS: A ARTE COMO PODER DE MUDANÇA

 


E foi assim: num final de semana prolongado de carnaval (aliás, soa até estranho falar de carnaval em tempos de pandemia por COVID-19) que não teve: Colombinas, Arlequins e Pierrots – que finalmente fui ver a 10º Mostra_SP de Fotografia na famosa Vila Madalena, aos arredores do Beco do Batman, em São Paulo. Como bom brasileiro e como um ser humano péssimo em guardar datas – fui justamente em 26 de fevereiro de 2022 (último dia da Mostra). Pra variar, claro.

Da Mostra eu esperava mais. Percorri todas as galerias: Ziv, A7MA, Lux Box Estúdio... E fui me dando conta que na real não tinham várias fotos dos fotógrafos que tenho profunda admiração, mas sim lambe-lambe de uma foto deles exposta nas galerias e nas outras lojas que compuseram essa mostra. Muito frustrante. Pois quando vou numa exposição eu aprendo demais com as fotografias (aliás, foi assim que aprendi a fotografar) e se ainda não conhece meu Instagram é o @marcelo.caldas7 – com exatas 4.222 fotos minhas. Perfil aberto – só chegar.

Todavia, essa ida ao famigerado Beco do Batman, trouxe gratas surpresas. Acredito que perdemos muito em não nos conectarmos com outras pessoas. Malditas barreiras. Neste dia, contudo, conheci o Inácio, um colombiano radicado no Brasil e que está aqui há mais de 30 anos e que vende miçangas para sobreviver. Uma arte que aprendeu na Colômbia com seus pais. Nós conhecemos no café do Chico, outro sujeito ímpar também: de riso largo e abraços apertados.

Eu estava lendo a Folha de S. Paulo, logo de manhãzinha e não tinha nada ainda aberto (exceto o café) e foi quando o Inácio chegou e viu uma foto da guerra entre Rússia e Ucrânia – estampada no jornal, percebi que sua fisionomia mudou completamente. Aí puxei assunto. Ele me contou que veio para o Brasil em 1990, um ano depois do Pablo Escobar ter explodido um Boeing 727, que fazia um voo doméstico do aeroporto internacional de El Dorado, na capital da Colômbia, até o aeroporto internacional Alfonso Bonilla Aragón, para a cidade de Cali. Fato esse que aparece na primeira temporada de Narcos no Netflix.

Depois que as lojas, galerias e vendedores independentes começara a trabalhar iniciei minha travessia. Aí me deparei com a Andressa Moraes, que fez essa arte incrível que estampa essa crônica. O Instagram dela é o @andressamoraes_art. Ela desenvolve seus trabalhos em aquarela e nanquim, desde 2014. Atualmente ela tem desenvolvido seus trabalhos com o tema botânico, compondo trabalhos com diferentes espécies da fauna e flora brasileira buscando conexões entre a arte e a natureza. E conversa vai e conversa vem, e em dado momento ela me disse isso de chofre: “Acredito na ARTE como um poder de mudança! ”.   

A conversa parou meio que instantaneamente – demorei para processar a profundidade dela. E meio sem jeito – pois tinha pensando em outra coisa para dizer, porém, fiquei receoso de falar, optei por dizer: “Sensacional isso que falou. E já que você é uma artista, o que acha das minhas fotos? ” E aí saquei meu celular e mostrei algumas fotos minhas para ela sem jeito.

Hoje é domingo (ainda de carnaval) e após passada uma leve ressaca, resolvi voltar a escrever, pois a frase dela ficou dentro de mim. E quero deixar aqui registrado o que realmente eu pensei sobre a frase dela, que foi justamente o encontro de dois gigantes da literatura: Lygia Fagundes Telles e Jorge Luis Borges.   

Lygia se encontrou com Borges, em 1970 na cidade de São Paulo, que, aliás, como ele próprio disse: “O que existe são os paraísos perdidos”. É a eles que temos de nos agarrar; mostrar que estão perdidos sim, mas que foram paraísos, entenda-se paraíso aqui como a Arte. Lygia relata esse encontro assim:


“Eu conhecia o Borges de antes, mas o encontro foi num jantar. Já cego e velhusco, estava tão cercado que eu não seria capaz de chegar perto. Quando ia embora, vi-o sentado numa cadeira, sozinho com sua bengala. Todos ao redor tinham desaparecido milagrosamente. Chamei: “Borges”. Sempre tive esta voz rouca, mesmo quando jovem. Ele reconheceu: “Lygia”. Estava com a mão apoiada na bengala e eu botei a minha em cima. “Queria me despedir e que me dissesse uma coisa. Detesto a palavra ‘mensagem’, que perdeu o sentido mais profundo e só se usa comercialmente, mas peço que me diga algo, uma mensagem”. Ele disse: “Tenho um amigo que morreu quando deixou de sonhar”, e mencionou o nome no exato instante que alguém quebrou um copo ali perto, de modo que não ouvi. Fiquei com vergonha de perguntar, me despedi e saí. Uma jovem no palácio dava uma rosa para cada convidado. Peguei a rosa, botei na lapela e pensei: a rosa profunda. Anos mais tarde é que descobri que era Horacio Quiroga. Na hora que deixou de sonhar, matou-se. Na hora que eu perder essa força do sonho, vai vir à tona: o que estou fazendo aqui? Os paraísos perdidos, os sonhos perdidos. Aí é melhor ir embora, rapidamente. Tem aquele livro ‘A negação da morte’. O que é a negação da morte? A arte. Pintar, escrever, fazer música. A única coisa que nega a morte e consegue flutuar no mar do mundo, como um barco, é a arte.”

O que seria de nós sem a arte?

E sim: ela (arte) é sem sombra de variação – um poder de mudança na minha e na sua vida – caro leitor. Nunca desista dela! Nunca desista deste paraíso! Nunca...

 

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