quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

CONTO: A IGREJA DE LUCÍFERO

Quando paro. Rumino. E busco dentro da minha alma, qual é a diferença das memórias verdadeiras e falsas, caio na questão das jóias; pois o raciocínio é idêntico, a saber: as jóias falsas são sempre as que reluzem mais reais, mais brilhantes... E quiçá eu, que o que irei relatar aqui fossem meras bijuterias...
Desde que me conheço por gente, fui religioso. E como tal, sempre me portei. Herdei isso dos meus pais, que me incutiram o senso do divino, desde da idade mais tenra. Não desprezo e nem acho que tal empenho tenha sido em vão, aliás, agradeço meus pais por terem me criado assim. Embora em vida, nunca os tenha contado; e aqui reside um remorso, que me acompanha, desde do falecimento de ambos (num acidente de carro), tal qual o espinho na carne, do apóstolo dos gentios. Coisas da vida. E essa mesma vida também me ensinou, aliás, doutrinou-me que – o passado (com seus: erros e acertos) nada ensina, apenas exorta quem não aprende suas lições.
Pois bem, em minha atualidade o que mais brota são igrejas. Para todos os gostos, dores, raças e santos. E a que freqüentava com meus pais outrora, já nem existe mais. Talvez a coitada da denominação tenha caído nos mesmos erros das igrejas, do início do livro do Apocalipse. Vai saber...
Certa feita, tive vontade de estudar sobre o regime soviético e seus czares, e chegou-me as mãos (não sei como) o livro: “Exorcising a Soviet Ghost[1], e deparei-me com uma cena interessante de Stalin:

“Certa ocasião, Stalin pediu um frango vivo e usou-o como ilustração enquanto ensinava algo terrível a alguns de seus correligionários. Agarrando firmemente o frango com uma das mãos, com a outra começou a arrancar sistematicamente as suas penas. O frango lutava para escapar, mas nele continuou com a dolorosa depenagem, até depenar completamente a ave. “Agora observem isto”, disse Stalin, enquanto colocava o frango no soalho e saía com algumas migalhas de pão nas mãos. Surpreendentemente, o tresloucado frango foi cambaleando na direção dele e se agarrou às pernas das suas calças. Stalin atirou um punhado de migalhas para a ave e, como esta se pôs a bicar as migalhas e a segui-lo pela sala, ele voltou-se para os seus aturdidos companheiros e disse tranqüilamente: “É assim que se governa o povo. Vocês viram como esse frango me seguiu por comida, apesar de eu lhe ter causado tamanho suplício? As pessoas são como esse frango. Mesmo que vocês lhes inflijam tremendo sofrimento, elas os seguirão por comida o resto de suas vidas.”

E refletindo sobre esse pobre coitado do frango despenado por Stalin, a duras penas (sem aqui fazer trocadilho, e muito menos ser irônico), vejo uma relação da mais análoga possível com a maior denominação atual. Pois em ambos os casos, nada se têm de incongruente; pelo contrário, da mesma forma que o frango/povo volta as mãos do seu carrasco, por um pouco de comida e não se rebelam; essa nova geração de cristãos, pelo mesmo caminho volta, aos seus sacerdotes, bispos, apóstolos... Sendo que a única diferença é que esses nobres senhores eclesiásticos ao invés de lhes impor alguma dor, (e falando o que seus corações desejam) lhes prometem encher suas barrigas, com as dádivas divinas, tais como: prosperidade absoluta, saúde inabalável e milagres que nem Cristo operou...




Desta forma, as comportas dos céus estarão sempre abertas a jorrarem caudalosamente todas essas bênçãos, na mesma quantidade dos luzeiros do céu, se é que podemos mensurar isso algum dia. Podemos?
E afinal, deixando de lado essa apogia, de qual igreja pertenço? Se é que faço parte de alguma. Uma coisa, garanto-lhes que não é dessa acima, e muitos menos a de lucífero, embora ache cá com meus botões; que demasiadamente existe muita verossimilhança entre ambas. Não achas estimado leitor?




[1] BARNATHAN, Joyce e STRASSER, Steven, “Exorcising a Soviet Ghost, Ed. Newsweek (Exorcizando um fantasma soviético), 1988.

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