sábado, 17 de abril de 2010

EM BUSCA DE LUZ



O TERAPEUTA (1941), de René Magritte


Passo.
Uma, duas, três, quatro...

Sempre me detenho em frente a sua fachada imponente, quando saio do curso do SESC Vila Mariana. Impossível, não me vir a mente a recordação do que esse hospital me remete. Afinal, passei mais de um mês, indo e vindo todos os dias dali, e muitas vezes até dormindo lá mesmo. Conheci todas as enfermeiras, auxiliares e a médica responsável. Pessoas ilustres, que sabem lidar com a dor alheia com uma dignidade ímpar e exemplar. Acredito que para esse grupo seleto, com o próprio passar dos anos, eles já se habituaram ao drama humano. Ou não?

Hoje, quando novamente me vi diante desse hospital, no meu iPod, tocava uma música, que ganhou todo um significado diferente para mim, enquanto divagava sobre tudo que aconteceu. Destino? Mero acaso? Coincidência? Não tenho respostas. Simplesmente tocou a música.

Ela se chama: “Respeito pela mais bela”, da banda O Rappa, álbum – 7 vezes:

“Perguntar porquê?
Eu não vou fazer
Perdemos você
Mas nós temos que aceitar
Triste sem saber como me conter
Não posso te ver, mas ainda resta recordar
Foi, foi, eu digo foi, foi por um tempo e nos abandonou
E uma enorme saudade aqui dentro, aqui dentro do peito, aqui ficou
Independente de onde esteja agora, traga a esperança, traga ela de volta.”


Não faz nem ano que minha mãe faleceu, e como me dói sua falta. Só quem passa por isso, sabe o que escrevo aqui e por mais que me apegue às palavras, torna-se impossível tentar descrever tudo que me ocorreu. Enquanto ouvia essa música, busquei algo que me confortasse, uma mensagem, alguma frase dela. E nada!

Contudo, me veio à mente, essa mesma situação, só que vivida por outra pessoa, que pedia algo para sua alma também (e já citei isso aqui nesse blog), essa pessoa era a Lygia F. Telles, em seu encontro com Jorge Luis Borges, em 1970 na cidade de São Paulo, que, aliás, como ele próprio disse: “O que existe são os paraísos perdidos”. É a eles que temos de nos agarrar; mostrar que estão perdidos sim, mas que foram paraísos. Lygia relata esse encontro assim:

“Eu conhecia o Borges de antes, mas o encontro foi num jantar. Já cego e velhusco, estava tão cercado que eu não seria capaz de chegar perto. Quando ia embora, vi-o sentado numa cadeira, sozinho com sua bengala. Todos ao redor tinham desaparecido milagrosamente. Chamei: “Borges”. Sempre tive esta voz rouca, mesmo quando jovem. Ele reconheceu: “Lygia”. Estava com a mão apoiada na bengala e eu botei a minha em cima. “Queria me despedir e que me dissesse uma coisa. Detesto a palavra ‘mensagem’, que perdeu o sentido mais profundo e só se usa comercialmente, mas peço que me diga algo, uma mensagem”. Ele disse: “Tenho um amigo que morreu quando deixou de sonhar”, e mencionou o nome no exato instante que alguém quebrou um copo ali perto, de modo que não ouvi. Fiquei com vergonha de perguntar, me despedi e saí. Uma jovem no palácio dava uma rosa para cada convidado. Peguei a rosa, botei na lapela e pensei: a rosa profunda. Anos mais tarde é que descobri que era Horacio Quiroga. Na hora que deixou de sonhar, matou-se. Na hora que eu perder essa força do sonho, vai vir à tona: o que estou fazendo aqui? Os paraísos perdidos, os sonhos perdidos. Aí é melhor ir embora, rapidamente. Tem aquele livro A negação da morte. O que é a negação da morte? A arte. Pintar, escrever, fazer música. A única coisa que nega a morte e consegue flutuar no mar do mundo, como um barco, é a arte.”

Penso que esse quadro do Magritte, ao meu modesto ver de insipiente apreciador, retrata como poucos a subjetividade da arte, onde ele quer mostrar não o próprio terapeuta, embora seja o título que leva a obra, mas ele quer passar uma mensagem sobre cada pessoa tentando entender sua própria psique, tentando ser um terapeuta de si mesmo, libertando os pássaros que voam em círculos dentro da nossa própria mente, debatendo-se nas grades da gaiola, e caindo tontos na plataforma de apóio da mesma, sem conseguirem alçar vôo e irem embora.


Para minha sorte, uma dessas "pombas" minhas alçou vôo, pois me veio à mente, logo após, o diálogo da Lygia acima, uma frase dela (minha mãe), dita uma única vez, mas que ficou gravada para sempre em minha mente, coração e alma. Uma mensagem que relatava o seu modo de viver a vida e de encarar ela, que, aliás, ela comparava a nossa vida, como um grande maço de baralhos, onde algumas pessoas recebem cartas boas, outras não. Mas o grande nó da questão, que ela me ensinou, era que isso não era o mais importante, mas sim o que iríamos fazer em seguida, logo após receber essas cartas que a vida nos deu, isso sim, fazia e faz toda a diferença no mundo.


Mas voltemos à frase, que foi essa:


“Filho, você é aquilo que você ama, e não quem ama você.”

Nesse exato instante, olhei para o painel do nome do hospital que só agora percebi que mudou, de: Hospital Vila Mariana para Hospital da Luz.

Fui embora, imensamente feliz e com um sorriso largo no rosto, pois também reencontrei a minha própria LUZ.


Obrigado mãe!

***

2 comentários:

  1. Nossa que profundo...
    Acho admirável a forma como fala da sua mãe, o carinho e o respeito que tem por ela!
    Tem uma música do Djavan - Sina - que eu adoro, pois a primeira frase dela é "PAI E MÃE, OURO DE MINA..." sempre tive esse respeito, esse amor e carinho pelos meus pais, e acho que essa frase diz tudo o que eles realmente são para nós!!!

    Adorei o texto, bjss sua amigononononona
    Kelly Longo (moita) rsrs

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  2. muito lindo adorei o texto!!!!
    nossa realmente muito profundo...
    fico emocionada ao ler seu texto...parabéns muito lindo....
    que DEUS continue te abençoando e te protegendo por ser um filho lindo !!!!
    obrigada marcelo por sua amizade...
    beijos de sua amiga lúh

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