Há pouco mais de uma década,
quando o mundo começava a descobrir as redes sociais, imaginava-se que elas
seriam um instrumento para ampliar o debate e fortalecer a democracia ao conectar
os continentes. Hoje, praticamente um quarto da população mundial está presente
no Facebook, a maior rede social do planeta, com 1,8 bilhão de usuários ativos,
mas o impacto da interação virtual gera preocupação crescente.
Gosto muito da escritora Hannah
Arendt, e trago uma citação da mesma do seu livro: “A condição Humana”, a saber:
“É
óbvio que isto requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a
irremediável confusão ou a repetição complacente de verdades que se tornaram
triviais e vazias – parece ser uma das principais características do nosso
tempo. O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se de apenas refletir
sobre o que estamos fazendo.”
Refletir sobre o que estamos
fazendo? Num tempo em que as pessoas mal lêem um livro? Cujo senso crítico
delas é baseado no que elas recebem uns dos outros via mensagens e vídeos no WhatsApp?
Goethe dizia que: “Aquele que não da conta
do que lhe antecedeu em 3 séculos – vive na era presente em meio as trevas.”
Um dos aspectos preocupantes
dos hábitos digitais é o que vem sendo chamado de “cultura de ódio”, postagens
ofensivas e gratuitas de pessoas aparentemente cordiais na vida offline. Os
alvos são muitos, mas surpreendentemente não definidos por experiências
pessoais do usuário, mas por seu posicionamento político-social. Um exemplo é o
do atirador de Campinas (SP) que matou 12 pessoas da família na noite de
Revéillon e deixou uma carta em que reproduz esse discurso de ódio retirado da
internet.
Outro efeito negativo do
comportamento online é a denominada “pós-verdade”, um conceito recente que foi
eleito como a palavra do ano de 2016 pelo dicionário da Universidade de Oxford,
na Inglaterra. A palavra denota “circunstâncias nas quais fatos objetivos são
menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à
crença pessoal”. São situações em que a pessoa não se importa em reproduzir uma
mentira desde que encontre uma justificativa para a sua própria opinião.
Essas notícias falsas podem ter
conseqüências perigosas no mundo real. Foi o caso da pizzagate, um boato que se espalhou por Facebook, Twitter e
Instagram durante a campanha presidencial americana e dizia que a pizzaria
Comet Ping Pong, em Washington – cujo proprietário teria ligações com um
assessor de Hillary -, estaria envolvida em tráfico de crianças para uma rede
internacional de pedofilia. No início de dezembro, Edgar Welch, um pacato
cidadão, resolveu fazer justiça com as próprias mãos. Foi até a pizzaria portando
um rifle de uso militar e abriu fogo instintivamente.
Como as redes sociais não têm
filtros, normalmente são terreno fértil para a difusão de informação falsa. A
capacidade de propagação de uma notícia mentirosa é 50% superior à de notícias
verdadeiras.
Os
antropólogos diziam que lá no passado você tinha de ser alguma coisa; depois
você precisava ter; hoje, em função desse mecanismo biológico, você não precisa
ser, nem ter, você precisa APARENTAR. Por isso, as pessoas fazem o possível e o
impossível para passar idéias de coisas maravilhosas. É uma maneira que o
cérebro encontra de tentar, no meio dessa multidão, achar ou ganhar o mínimo de
atenção. Aí as pessoas perdem o contato com elas mesmas. Elas estão voltadas
para fora. Então, quanto mais eu receber curtidas nas redes sociais, mais valor
social passo a ter. É difícil você pegar pessoas que dizem que não entram nas
redes sociais, ‘isso é suicídio’. Saber quem você é, para onde vai, está em
baixa. Lamentável...
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