CONTO: O MEL É MAIS DOCE QUE O SANGUE

Baudelaire nunca foi seu forte. Aliás, nunca apreciou a poesia e a prosa francesa. Mas, por incrível que pareça, tinha uma única frase desse poeta francês, que mexia em suas entranhas, eis ela:

“Nós somos todos, mais ou menos loucos.”

Decorrido os fatos, ficou mais do que nitidamente óbvio, que Lucas Mauborgne, tinha esse “mais” predominantemente arraigado em seu ser. Sortudo os que ficam com a parte do “menos”, em suas vidas. Ou não?
Quem olhava Mauborgne nos seus afazeres diários e rotineiros, jamais pensariam que pudesse algum dia fazer aquilo; e com seu ato causou verdadeiro estardalhaço, no bairro e na cidadezinha pacata do interior onde morava. Alguns maldosos de plantão, sempre disseram que ele era assim – estranho. Curioso é que quando em vida, ninguém ousou dizer isso a ele ou sua parentela. Vai ver – é que isso são coisas do interior, ou será que são também da cidade grande?
Até seus vinte em dois anos, tudo transcorria normalmente em sua vida, como ondas da praia, num dia de calmaria. Trabalhava no supermercado, tinha acabado seus estudos, tinha uma ótima relação com seus familiares e amigos e planos para seu futuro...
Mas naquele verão, além de ser causticante e abrasador para sua cidade, iria também chegar e lhe enlaçar uma agrura, que nunca antes tinha acontecido em sua vida. Com o clima quente, as pousadas da cidade ficavam superlotadas, e os turistas que vinham de todas as partes, estavam sempre ávidos por novas aventuras, se espalhavam pela cidade por todos os cantos, iguais as formigas.
Numa fatídica tarde, quando o sol inclemente já se punha, Lucas Mauborgne, vinha para seu lar, depois de mais um dia de trabalho, quando um grupo de rapazes turistas, vieram em sua direção nitidamente bêbados, e algo em seu interior deu o alerta, que aquilo não daria em boa coisa. E assim foi; pois esse grupo sem nenhum motivo aparente o espancou, quase até a morte. Mauborgne teve tempo apenas de gravar em sua mente, um dos agressores, que tinha uma camisa amarela, e nela escrito a palavra mel. Que foi a única que conseguiu ler; enquanto era esbofeteado brutalmente.
Ficou sete meses internado no hospital, entre a vida e a morte. E para azar de Mauborgne, a rua estava deserta; portanto, sem testemunhas também; foi o que ele pensou durante um bom tempo. Contudo, a fisionomia do agressor lhe grudou a mente, e não poupou detalhes disso aos policiais, porém sem resultado imediato.

O Labirinto - Salvador Dalí

Já no verão seguinte, completamente recobrado sua saúde e o curso da sua vida; empreendeu uma caçada de pousada em pousada, em busca dos agressores; pois tinha uma certeza irresoluta de que eles algum dia voltariam à cidade novamente. E passados exatos sete meses, nessa busca ininterrupta, eis que finalmente se deparou com seu agressor sozinho na porta de um bar. No exato momento em que seus olhos se cruzaram, o covarde saiu em disparada para a pousada; ao passo que Lucas ligou rapidamente para a polícia, e partiu ao encalço do fugitivo. Lá chegando, ficou parado na porta central, que era a única para se entrar e sair da pousada; e quando seu agressor vinha descendo as escadas com a carteira na mão, completamente esbaforido e já ouvindo as sirenes das viaturas se aproximando, Mauborgne lhe disse:

- Durante sete verões, lhe procurei incansavelmente, e olha aqui você agora tremendo com um covarde, na minha frente.
- Você não pode provar nada!
- Quem disse? Tenho inclusive testemunhas! Disse Mauborgne.

A polícia entrou e autuou o suspeito de agressão, que horas mais tarde confessou tudo na delegacia. E Mauborgne, que tinha tudo para ir a desforra, não foi.
Já avançado em idade, e no seu leito de morte; seu filho mais novo lhe disse:

- Pai, diga algo que você aprendeu em sua vida, e que fez todo o sentido para você?
Ao que Lucas Mauborgne, disse sem pestanejar e enchendo os pulmões:
- Seja sempre contínuo e constante em sua vida. Pois os fracos desistem logo e os fortes insistem sempre. Nunca ligue para a opinião alheia; eles nunca tem razão de nada e principalmente...
- Já sei! Já sei! Já sei pai.
- O quê?
- Ora, que o mel é mais doce que o sangue!
- Perfeito. Disse Lucas Mauborgne.