terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

CONTO: COINCIDÊNCIAS DE COINCIDÊNCIAS


“Os fatos graves estão fora do tempo, seja porque neles
o passado imediato fica como que truncado do futuro, seja
porque não parecem consecutivas as partes que os formam.”
Jorge Luis Borges – Nova Antologia Pessoal

- Quando ira me trazer a manchete? Quero, ela hoje! Disse asperamente Diego Cortazar.
- Prometo que ainda hoje, no fim da tarde. Respondeu dubiamente Manoel Cotrim.

Alguém, disse que uma grande manchete, daquela que repercute, durante semanas é tão difícil e raro, como a aparição dos cometas. Cotrim, era um jovem repórter, com uma carreira promissora. No início, as coisas lhe iam de vento em popa; produziu reportagens brilhantes, as quais tiveram amplo alcance, e caíram rapidamente no gosto popular dos leitores do jornal. Foi recordista em receber cartas do público, no mês anterior a escassez. Muitas dessas missivas, eram sempre elogiosas, poucas o criticavam. Seu editor chefe, Cortazar, lhe rendeu pomposos elogios, bem como alguns colegas, que não eram de todo invejosos; do seu inesperado – sucesso.

Mas, a exatos vinte e sete dias, não conseguiu produzir nada que se comparasse a glória anterior. Nada. Isso o angustiava a tal ponto, que lhe rendeu inúmeras noites de insônias e uma úlcera no duodeno; e agora a situação, chegou no seu limite. Tinha de trazer uma grande matéria hoje, caso contrário, seus dias de repórter, estariam contados. “Ou será, que já não estavam?”, pensou.

Pegou mais um café expresso. Sentou-se em frente ao computador, viu o que lhe angustiava: o cursor piscando, no meio da tela em branco. Como num raio, uma idéia lhe ocorreu rapidamente, por que não inventava uma notícia? A princípio a idéia lhe foi repulsiva, mas com o avançar dar horas, se rendeu. Como era um leitor inveterado, não lhe foi difícil inventar a história, com sólidos argumentos, que corroboraram com sua verossimilhança.


O PESADELO (1781), DE HENRY FUSELI

Fez uma manchete simples, pois acreditava que quanto mais simples fosse, mais chance teria de passar desapercebida, pelos leitores do jornal. Contudo, para seu desespero, sua teoria não vingou, e o assunto ganhou proeminência e ficou por uma semana sendo discutido. Cartas chegaram a redação do jornal aos borbotões, devido sua manchete. Um novo recorde ficou estabelecido.

Sua relação com Cortazar, do dia para a noite, ficou harmoniosa, e por um bom tempo, não tiveram mais entrevero algum.

Alguns meses depois, numa noite de calor abrasante, embora em pleno inverno, quando estava em sua casa, após um dia árduo na redação do jornal; sentou-se no sofá. Ligou a TV, no seu canal de notícias preferido, ouviu de chofre do âncora, que num país da Ásia, choveu por vinte e sete dias, seguidos. Pasmo, deixou o controle remoto cair no chão; pois essa mesma notícia, era idêntica a sua, que plantou no jornal meses antes. Tinha apenas uma diferença, que era que esse dilúvio, ocorreu numa cidade isolada, na costa do seu próprio país; em tempos imemoriais. Mas, que segundo alguns estudiosos, poderia ocorrer novamente.

Então, pensou consigo mesmo: “Qualquer semelhança, não é mera coincidência”.
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