quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

LES CONTES FRANÇAISES: GUÉPARD ÉPINGLÉ*



TIGRE (1912), DE FRANZ MARC

“Se você teve a sorte de viver em Paris, quando jovem, sua presença continuará
a acompanhá-lo pelo resto da vida, onde quer que você esteja, porque
Paris é uma festa móvel.”
_De Ernest Hemingway a um amigo, 1950.



Da sacada do prédio onde estava hospedado, ele ficava horas a fio observando os corredores matinais amadores do parque Bois de Boulogne. A dor lhe era enorme, mas permanecia rijo em sua postura, apoiado em sua bengala. Um corredor em especial tinha tomado todas suas atenções, desde que chegou a Paris, e o aguardava por vê-lo todos os dias ansiosamente da vista privilegiada que tinha.

- Vamos para a sessão de fisioterapia meu amor, saia dessa sacada.
- Ainda não Sara. Só mais um pouco. Respondeu Nicolas Zola.

Nicolas Zola, era um corredor consagrado, resolveu ir para Paris, após ter sido diagnosticado que nunca mais poderia voltar a correr, depois de sofrer um grave acidente automobilístico, que quase lhe ceifou a vida. Entre as opções que tinha, para refrescar sua mente, corpo e alma, disse para sua mulher, Sara Zola:

- Vamos para Paris, lá não é a cidade luz? Quem sabe não encontro algumas luzes, para sair desse pesadelo que estou vivendo, o que acha?
- Os pesadelos e os sonhos, são feitos da mesma matéria Nicolas, e compete só a nós acordamos e vivermos a vida. Uns preferem estado perpétuo dos sonhos, já outros encarnam em seus dias os pesadelos sonhados, e não se livram deles nunca, pois como fantasmas, sempre são atormentados por si próprios. Contudo, tanto um, quanto o outro, é uma escolha que nós fazemos.
- Isso é pensamento budista, Sara?
- Não! E não me venha com seu sarcasmo, isto é tão somente a realidade da vida, meu amor!

Após sete meses de árduo tratamento fisioterápico, conseguiu uma melhora significativa, ao ponto de conseguir sem o apóio de ninguém, descer da sacada do seu prédio, onde estava hospedado e ir para o parque, para ver de perto aquele corredor que tanto o fascinava. Seu coração estava acelerado, pois iria ver esse corredor frente a frente, e isso o agitava internamente.

- Pare, pare, pare um instante, por favor. Disse esbaforido Nicolas Zola.
- Sim senhor, em que lhe posso ajudar? Respondeu-lhe o corredor amistosamente.
- Me diga como você consegue? Perguntou Nicolas Zola.
- Como consigo o quê? Retorquiu o corredor.
- Correr com essa perna mecânica?

Depois de um longo silêncio pensando, o augusto corredor respondeu:

- O impossível, é apenas uma questão de opinião. Veja você mesmo, sempre que venho aqui ao parque treinar, lhe via ali na sacada no prédio a me observar, apoiado em sua bengala, e hoje, você está aqui, bem diante de mim. Você conseguiu dar um grande passo, e veja só, me diga: para se correr uma ultramaratona é necessário o quê?
- Um bom preparo físico. Respondeu Nicolas Zola.
- De fato isso é necessário também, mas antes de tudo, é necessário que você queira dar o primeiro passo, esse sim, é o mais importante. Diga-me, você quer?

Nicolas voltou a passos lentos para seu quarto no hotel, sentindo grandes dores nas pernas, contudo, com um largo sorriso estampado no rosto e feliz por ter aprendido a lição.


***

*Os Contos Franceses: Guepardo Encalacrado

2 comentários:

  1. Olá Marcelo, quanto tempo não nos falamos, será que vc ainda se lembra de mim? Saudades das nossas conversas. Vamos marcar de nos encontrar, falar besteira, jogar conversa fora, rir.
    Abraços
    Ana Paula Maziero ( ainda na Opipari)

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  2. Parabéns um história bacana contada de forma muito interessante. Álias toda história é interessante, depende apenas do contador!

    Abraços,

    Angelina

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