quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CADERNOS ESPIRITUAIS: NÃO RASGUE A AGENDA DO SEU DIA



ESTUDIOSO MEDITANDO (1631), DE REMBRANDT


“Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Durante a ceia [...].” (João - capítulo 13: 1-2)


Acredito que uma das coisas mais difíceis de nossas vidas, é aprendermos a conviver com o outro. Aliás, não é a toa que o filósofo francês, Jean Paul-Sartre disse que: “O inferno são os outros”. De fato na arte de viver, temos de aprender a conviver com os outros e particularmente creio que seja impossível vivermos a vida sem nos relacionarmos. Contudo, para os adeptos dessa filosofia de vida, faço-me das palavras de Vinicius de Moraes:

“a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, ou se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.”
(Para Viver um Grande Amor. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.181.)

No capítulo 13 do Evangelho de João, Jesus nos ensina como devemos lidar com os relacionamentos. Fico maravilhado com sua postura, pois, mesmo sabendo que seria traído por Judas, não deixa que isso o impeça de celebrar a ceia com os demais discípulos, de lavar os pés dos mesmos (inclusive do traidor Judas) e dar o novo mandamento (13: 31-35).

Aprendo com ele, que o medíocre não deve ditar a nossa agenda. Ou seja, mesmo ele sabendo que seria traído por Judas, celebrou seus últimos instantes com seus discípulos com alegria. Ensinou-lhes uma grande lição de humildade ao lavar-lhes os pés e deixou o grande legado do Novo Mandamento.

Quando trago isso para minha vida, vejo o quanto sou pequeno, pois basta algo (ainda que pequeno) acontecer de errado, que isso já azeda o meu dia. Com Ele aprendo a viver o dia, independentemente das circunstâncias, e não deixar de celebrar a vida e a coisas boas que essa tem, ainda que as pessoas venham a nos atrapalhar.

Aprendo com Ele, que quando a circunstância é boa, devemos desfrutá-la; quando a circunstância não é favorável, devemos transformar a circunstância; e quando a circunstância não pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos.

Numa sociedade que vive a era da “modernidade líquida” termo cunhado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, cuja metáfora da liquidez – que ele usa para caracterizar o estado da sociedade moderna: como os líquidos, caracterizado pela incapacidade de manter a forma. Poderíamos trazer isso para a realidade dos relacionamentos de hoje em dia, que são marcados pela liquidez, pelo prazo de validade e são tão descartáveis, quanto qualquer objeto fútil, a proposta de Jesus é um desafio a todos nós. Vejamos:

“Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu voz fiz, façais vós também.” (João – capítulo 13:14-15)

Ou seja, quando ele se propõe a lavar os pés dos discípulos, inverte a ordem e quebra um paradigma, ou seja, de que as pessoas com quem queremos nos relacionar é que devem lavar os nossos pés e nos servir. Pelo contrário, Ele nos ensina que nós só podemos nos relacionar com as pessoas, com as quais estamos dispostos a lavar os seus pés e a servir as mesmas.

Basta pararmos para pensar nisso um pouco, pois tem sentido, se não estamos dispostos à humilhação e ao serviço, nunca conseguiremos suportar as pessoas em suas imperfeições (e todos são imperfeitos).

Logo, viver é de fato aprender a se relacionar com o outro.

***

1 comentários:

  1. Marcelo...
    O texto acima nos permite analisar e refletir essa realidade, no sentindo de entender o relacionamento com o próximo.
    Bom, muitas pessoas se acomodam e tentam se concentrar em outras coisas.
    Sei que não é fácil no mundo em que vivemos, mas está faltando mais amor...
    Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso Que eu me lembro ter dado na infância Por que metade de mim é a lembrança do que fui A outra metade eu não sei. (Osvaldo Montenegro).

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