quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

CRÔNICAS AVULSAS: O SANSÃO & EU




Sou fã de Homero – não nego. E ultimamente sua obra monumental e clássica: Odisseia, sempre que chego ao meu lar é reavivada pelo Sansão; meu quase cachorro, já que oficialmente ele pertence a minha irmã.

O Sansão me faz lembrar de um outro famigerado cachorro, cujo dono é Ulisses da obra supracitada, que quando chega enfim à sua casa, travestido, por Atenas, sob a forma de um velho mendigo. Na soleira da porta de sua casa estava o seu cão, Argo. No momento de sua partida, Argo era um filhote. Agora, velho e pulguento, ele não tem força sequer para ficar em pé. No entanto, quando Ulisses aparece, Argo não tem dúvida. Ele o reconhece e levanta, correndo trôpego em direção ao dono. Ulisses abraça sue cão cheio de pulgas e enfraquecido. O cão morre em seus braços, como quem estivesse apenas à espera de um reencontro.

O cão reconheceu Ulisses, mas sua mulher não. Mesmo tendo recoberto sua forma, isso depois da batalha com os pretendentes que haviam se apossado de sua casa, Penélope não está segura de ter a seu lado Ulisses, o marido pelo qual ela tanto esperou.

Na verdade, Penélope precisa de uma prova, ela precisa testar a memória daquele que diz ser seu marido. É por meio da memória que se dará o reconhecimento, a partilha entre o certo e o incerto.

É interessante lembrar tal ponto porque estamos tão presos à procura de reconhecimento por outros sujeitos, precisamos tanto do assentimento fornecido por outros sujeitos que esquecemos como, muitas vezes, o que nos reconforta, o que nos diz realmente que estamos em casa é ser reconhecido por um animal, ser reconhecido por algo que, afinal, não é uma consciência de si. Os animais percebem os animais que ainda somos, eles nos lembram de um “aquém” da individualidade a respeito do qual nunca conseguimos nos afastar totalmente. E não foi a toa que Guimarães Rosa, disse: “Se todo animal inspira ternura, o que foi que aconteceu com os homens?”

O que foi que aconteceu conosco? Confesso que não sei, o pouco que arrisco a dizer é que estamos à deriva na era da “modernidade líquida” como bem cunhou o sociólogo polonês: Zygmunt Bauman.

Sim, completamente perdidos, contudo, no meu caso, graças ao Sansão, toda vez que eu chego à minha casa, ao me receber esfuziante ele me lembra o que realmente eu sou...

E nada mais justo do que uma crônica para prestigiar tão fiel amigo...


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