sábado, 6 de setembro de 2014

CONTOS diVINO: IMORTAIS



Vinha da place de la Madeleine apressado, cansado e com muito sono. Quando parei para recuperar o fôlego, estava bem ali – diante dos meus olhos a loja Lavinia, meu pai sempre me disse que essa era a melhor loja de vinhos de toda a França e quiçá da Europa. Resolvi entrar para conferir – afinal, já era tarde e a noite se aproximava. Perambulei pelo seu espaço de 1.500 m² dividido em 3 andares, ali estavam aproximadamente 6.000 referências de vinhos do mundo inteiro, sendo uma boa parte da França, é claro!   

            Não demorou muito e fui abordado por uma atendente:

            - Olá senhor, boa tarde! Procurando algum vinho em especial? Posso ajudar?

            Era de uma beleza ímpar, belos olhos verdes, cabelos negros e longos, muito simpática e cheirosa. Notei seu nome no crachá.

            - Oh, sim Emmanuelle, pode me ajudar. Meu nome é Marcel, e estou sofrendo de insônia, já tentei todos os tipos de remédios e mesmo assim não durmo direito. Um amigo me recomendou um vinho, mas, não é qualquer vinho. Preciso comprar um vinho imortal, foi esse que ele me indicou. Isso mesmo: um vinho imortal.

            - Vinho imortal? Só conheço um assim senhor Marcel.

            - Por favor, me chame somente de Marcel.

            - Claro, como queira. Ela me respondeu com seus lindos olhos verdes.

Subimos até o 2º andar da loja, e enquanto caminhávamos – rumo à prateleira dos vinhos imortais, ela me disse:
     
            - Marcel, sabe por que são feitos os vinhos?
        
            - Não sei Emmanuelle. Por favor, diga...
         
            - Vinhos são feitos para criar um lar para si mesmo: na taça, no tempo e na mente dos outros!

           - Lindo pensamento! Disse efusivamente.

            - Aqui estão eles Marcel, vinhos imortais do Château Latour, esse nome vem de uma lendária torre da época medieval, inicialmente chamada de La Tour de Saint-Lambert. Construída para proteção e defesa do estuário do Gironde na famosa “Guerra dos Cem Anos”, entre franceses e ingleses, nos séculos 14 e 15, esta torre, quadrada e maciça, foi destruída durante a própria guerra. Mas é a que está reproduzida no tradicional rótulo do “Grand Vin de Château Latour”.

             - Mas, por que esses vinhos são considerados imortais Emmanuelle?

            - São vinhos de guarda, que para atingirem sua maturidade, levam anos e anos. Um dos fatores determinantes para a qualidade excepcional deste vinho é a excelente drenagem do terreno, com camadas de cascalho muito profundas. Beneficiada pelo clima ameno da região, que permite um lento e gradual amadurecimento das uvas, principalmente a maturação fenólica, a Cabernet Sauvignon (uva majoritária no corte e importantíssima para o Latour) tem condições de alcançar toda a sua potencialidade como em nenhum outro terroir clássico. Acrescentem-se a esses fatores uma proporção considerável das chamadas vieilles vignes (vinhas antigas) e a competência da experimentada equipe de campo, e teremos profundidade e finesse no mais alto nível.

            - Uau! Que aula! Disse estupefato com o seu conhecimento.
       
            - Marcel, recomendo essa garrafa aqui do Château Latour, feita em 1954, portanto, hoje ela tem 60 anos, e está pronta para ser degustada. Com certeza, você terá um lindo e prolongado sono – ininterrupto e sem sofrimentos.

            - Ótimo! Levarei essa então. Contudo, sobre o sofrimento Emmanuelle, acredito que possa lhe dizer que aprendemos mediante erros e sofrimentos. São esses os minerais que endurecem os nossos ossos e os marcos nas estradas que percorremos. E nós fomos feitos para caminhar, não para ficar sentados.

            Fui para casa. Dormi o sono dos justos – após ter bebido o vinho imortal. Enquanto a noite ia calma e serena em meu sono, até pensei que era um imortal...

***

3 comentários:

  1. Meus parabéns, Marcelo Caldas.

    Sem muita delonga, você conseguiu explanar muito bem sobre os vinhos de guarda que, até para quem não entende de vinhos, assim como eu, pode compreender em detalhes sobre o esse vinho, que por sinal, deve ser uma delícia.

    Beijos!

    Alexandra Collazo

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