GUERRA
E PAZ, DE CÂNDIDO PORTINARI
"Aquilo que
em um ser humano é o mais fugidio e, ao mesmo tempo, mais grandioso, a palavra
falada e os gestos singulares, morrem com ele, e dependem da nossa recordação e
homenagem. A recordação realiza-se pela convivência com os mortos, da qual
emerge um diálogo, que os faz ressoar de novo no mundo. A convivência com os
mortos precisa ser aprendida e é o que estamos começando hoje, na comunhão de
nossa tristeza."
_Hannah Arendt
(1906-1975)
Márcio Catunda, certa feita escreveu: “Um gênio conversa com os espíritos dos
livros. E o acervo suscita viagens insólitas”. Ao ler o livro “Dias de Inferno na Síria” do autor
Klester Cavalcanti, publicado pelo selo Benvirá, confesso que do começo ao fim,
fui conversando com o espírito desse livro. Um livro de guerra, que exala toda
bestialidade humana e até que ponto podemos chegar na escala moral e ética de
baixeza. O gás sarin utilizado contra civis em 2013, na cidade de Damasco e
comprovado pelo relatório da ONU, nos fornece largas provas cabais sobre a que
ponto o ser humano pode chegar a termos de maldade e pela sua luta bestial pelo
poder. Talvez se vivêssemos por princípios, não teríamos meios e nem fins, que
justificassem a nossa maldade sem precedentes.
Cavalcanti é acima de tudo um pensador engajado
que entendeu que quando há eventos que promovem rupturas em nossa existência,
impedindo que o mundo permaneça sendo a nossa casa que nos acolhe e abriga,
precisamos desesperadamente compreendê-los, para que possamos nos reconciliar
com esse mesmo mundo e voltarmos a nos sentir em casa nele – novamente. Eis o
legado de Klester Cavalcanti para o mundo e, em particular, para nós
brasileiros que fomos brindados por tão elevada obra jornalística e literária.
E não somente isso, mas em face aos horrores
dos 6 dias em que passou preso na Síria, Cavalcanti, dos quais é ao mesmo tempo
testemunha ocular e sobrevivente, nos convocará com seu livro a vinculação
possível e necessária entre o “pensar” e o “agir”, desalojando o primeiro da
alçada dos filósofos e o segundo, da jurisdição dos políticos. Para ele,
jornalismo e política, podem ser reconciliadas desde que entendamos suas reais
motivações, que foi justamente o que o moveu a sair do Brasil e ir parar num
país em plena guerra sangrenta, para entender justamente o real motivo dessa
guerra insana.
A obra de Cavalcanti é dedicada a pensar e agir
no mundo contemporâneo, pois, como nação brasileira, vivemos diariamente também
essa mesma guerra que a Síria enfrenta. E talvez a nossa seja até mais
sangrenta e desigual que a deles. Notamos em seu livro que a referência ao
mundo é fundamental, pois não há biografia digna deste nome senão aquela que
conta uma vida que merece ser contada, e tais vidas são sempre as que deixaram
sua marca no mundo, seja porque contribuíram para sua transformação, seja
porque foram capazes de compreender tal transformação, e os amigos de cárcere
do Cavalcanti, a saber: Ammar, Adnan e Walid são as provas vivas desse
testemunho digno de ser contado.
Vidas humanas não são expressão ou manifestação
de conceitos ou categorias universais e abstratos. Por outro lado, trata-se de
contar histórias exemplares de homens e mulheres que participaram intensamente
dos dilemas, angústias e alegrias de seu tempo, na esperança de que elas
pudessem oferecer um instante de lucidez em meio a um mundo em que genocídios e
outras barbáries políticas se tornaram cotidianos. E isso é feito por
Cavalcanti com notória maestria, e não é a toa que lhe rendeu o prêmio Jabuti
de 2013 com essa obra – aliás, nada mais justo, por quem tanto se empenhou ao
ponto de colocar sua vida em risco, face à necessidade profissional de registrar
o ocorrido nessa guerra da Síria.
Mais do que qualquer teoria, é a própria vida
de certos indivíduos, tal como ela se manifestou em seus atos, gestos, palavras
e pensamentos, que pode nos esclarecer alguma coisa a respeito do mundo sombrio
em que eles viveram ou vivem ainda, um mundo que, de todo modo, ainda é o
nosso.
A obra monumental “Dias de Inferno na Síria” é a prova incontestável desse amor e esforço
de apego do ofício jornalístico ao trabalho filosófico-político que Klester
Cavalcanti um dia imaginou.
Boa leitura!
***
Marcelo Caldas! Meu amigo, mais uma vez arrasando nas palavras. Sua resenha ficou impecável,os detalhes e a maneira critica como impôs se entrelaçaram perfeitamente.^
ResponderExcluirSem sombras de duvidas Klester é e sempre será aquele cara admirável (talvez único,pela coragem inesgotável de ir tão longe só para nos trazer a tona uma verdade ainda "oculta",uma guerra sem explicação comandada por insanos). Você o traduziu belamente. Parabéns! Continuo sua fã sempre.
Bjs saudosos da amiga Carla ^^
Carla,
ExcluirNossa que retorno lindo! Fico feliz que tenha gostado, obrigado mesmo de coração, você é uma querida... Mais uma vez: obrigado!
Att,
Marcelo Caldas.