segunda-feira, 9 de março de 2009

HANNAH ARENDT: E SEU OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO

Em 1958 Hannah Arendt, publicou o ensaio: “A Crise na Educação”, na Partisan Review, e posteriormente reimpresso no livro: “Entre o Passo e o Futuro.” Um texto inquietante, reflexivo e atual; que nos faz pensar sobre a educação. Muito embora, a própria autora, se auto-intitulava “insipiente” na matéria, sua profundidade e genialidade ao discorrer sobre o tema, e a forma como o tratou, fez dele universal. Como a própria autora, relata a seguir:

“É justamente essa crença que se tem demonstrado invariavelmente falsa em nossa época: pode-se admitir como uma regra geral neste século que qualquer coisa que seja possível em um país pode, em futuro previsível, ser igualmente possível em praticamente qualquer outro país.” (Entre o Passado e o Futuro, pág. 222.)

E quando nos detemos na educação do Brasil, alguém poderia não admitir que ela se encontra em crise? Senão vejamos alguns dados:

- Da população entre 15 e 25 anos, quase 40% não completaram nem o ensino fundamental;
- Em pleno século 21, cerca de 15 milhões de brasileiros são analfabetos;
- Entre crianças até 6 anos, apenas 37% vão as escolas públicas ou privadas;
- Nossas taxas de reprovação continuam muito altas: 70% dos que se matriculam no ensino fundamental chegam a 8ª série;
- Menos de 41% dos adolescentes de 15 a 17 anos estão na série adequada à sua idade – os demais estão atrasados;
- Cerca de 55% dos alunos da 4ª série estão em estágio crítico ou muito crítico por apresentarem deficiências de leitura e interpretação de textos simples;
- Já em matemática, é mais desalentador: 57% dos alunos da 8ª série e, pasmem, 69% dos alunos da 3ª série do ensino médio também estão com enormes deficiências;

Relatos de um angustiado catastrofista? Ledo engano, nada é meu; como qualquer alfabetizado, apenas colhi essa coletânea de dados em diversas fontes.

Então onde está a causa da atual crise na educação? Aliás, segundo Arendt: “Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com preconceitos.” (Ibidem, pág. 223)
No Brasil, virou senso comum em várias camadas, que vão desde academia à imprensa, associar esse lapso educacional ao sistema capitalista/neoliberal. E essa visão é pautada por uma releitura de Marx, onde o grande interesse é da elite e dos ditos poderosos, que a grande massa do proletariado não fosse instruída como deveria, assim tornariam-se alienados, verdadeiros parias da sociedade e nunca questionariam suas próprias mazelas e agruras, e assim, o status quo permaneceria intocado. Destarte, se esse pensamento corrente, estivesse certo os países capitalistas, teriam uma educação das mais piores e excludentes possíveis, e os outros, ou seja, países em que não vigoram o regime capitalista, teriam os melhores índices educacionais. A rigor, o que acontece é o contrário disso. Pois quanto mais capitalista é um determinado país, mais ele investe maciçamente na educação, basta olharmos as grandes potências mundiais: Japão, Inglaterra, Alemanha...

E não é por acaso que os maiores expoentes do capitalismo, como os Estados Unidos e a Coréia do Sul, tem hoje quase uma massificação da matrícula universitária, com taxas beirando os 90%.
E aqui no Brasil, enquanto isso nossos ditos “pensadores”, continuam em suas campanhas e análises, em que até hoje, quase vinte anos depois da falência do socialismo, tentam mostrar que Marx tinha razão. E nesse eterno engodo, aglutinam-se os oportunistas. E esse chavão falacioso, engrossa o coro dos professores pusilânimes, que dizem: o insucesso educacional é resultado de uma sociedade dominada e corrompida pelo capitalismo. Eu até quero ensinar, mas sou impedido pela superestrutura vigente...


“Woman at the window” (1925), de Salvador Dalí/Philadelphia Museum of Art


A falência intelectual pavimenta o caminho do conformismo e cinismo de cada um. E nesse cárcere mental atual que estamos, acabamos por prender em amarras o próprio país. Pois enquanto aguardamos o dia da redenção, a grande guinada social vamos lentamente deixando de lado a mais maravilhosa revolução que existe, a saber, aquela que se dá pelo conhecimento. Silenciosa e pacífica a verdadeira redentora: perto de dominar a eternidade representada pelo saber. E justamente, essa revolução não existirá fracassados, todos ganharão. E todos os setores da sociedade também; pois num mundo altamente globalizado como o nosso, pensar que a elite, não quer pessoas instruídas, para não verem o status quo que gozam ser ameaçado é um grande engodo. Pois se os empresários não tiverem colaboradores, altamente qualificados, serão destruídos pela competição interna e externa, cada dia mais acirrada, competitiva e imperdoável.
A quem então pode interessar esse quadro atual da educação do Brasil? Arendt apontou em seu célebre ensaio que:

“Assim, o que torna a crise educacional na América tão particularmente aguda é o temperamento político do país, que espontaneamente peleja para igualar ou apagar tanto quanto possível as diferenças entre jovens e velhos, entre dotados e pouco dotados, entre crianças e adultos e, particularmente, entre alunos e professores .” (Ibidem, pág. 229.)
No Brasil, nessa atual conjuntura educacional, quem mais se interessa nesse quadro são os partidos políticos ditos de “esquerda”. Nas últimas eleições presidenciais, nosso atual presidente – Lula, só perdeu em um grupo: o dos eleitores com ensino superior. Para sorte dele, a maioria dos brasileiros só tem o ensino fundamental, grupo em que o petista se sobressaiu, por isso ganhou. Contudo, mesmo em meio a esse descaso todo, acredito que em nosso país, ainda existe grandes educadores que amam a profissão, e se dão por essa causa tão nobre. Para estes verdadeiros heróis e para os novos que iram surgir, deixo o recado de Arendt, que com certeza não será levado em vão:

“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse à renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso em com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum..” (Ibidem, pág. 247.)
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