terça-feira, 14 de julho de 2009

VIDA E MORTE: ETERNO PARADOXO, ODE A NEUZA DE OLIVEIRA


FLORES DE AMÊNDOA – VAN GOGH (1890)



A priori trago e faço coro com Simone de Beauvoir, no seu excelente texto – “Escrever para superar a dor”:

“Nos períodos difíceis da minha vida, rabiscar frases – ainda que nunca venham a ser lidas por ninguém – traz o mesmo reconforto que a reza para quem tem fé: através da linguagem ultrapasso meu caso particular, comungo com toda a humanidade.

Toda dor dilacera; mas o que a torna intolerável é que quem a sente tem a impressão de estar separado do resto do mundo; partilhada, ela ao menos deixa de ser um exílio.

Não é por deleite, por exibicionismo, por provocação que muitas vezes os escritores relatam experiências terríveis ou desoladoras: por intermédio das palavras, eles as universalizam e permitem que os leitores conheçam, em seus sofrimentos individuais, os consolos da fraternidade.

Em minha opinião, essa é uma das funções essenciais da literatura, e o que a torna insubstituível: superar a solidão que é comum a todos nós e que, no entanto, faz com que nos tornemos estranhos uns aos outros.”


Posto isto, vamos em frente...

Cada vez que chego à ante-sala da UTI e observo o olhar das pessoas, que lá estão tenho a sensação de estar um degrau apenas da morte, que ronda aquele lugar. Sinto-me, como no: “Auto da Barca do Inferno”, e ouço o personagem Diabo sussurrando em meu ouvido: “Bem está. / Anda-te nesta hora má / e estende aquele palanque, / desocupa aquele banco / para a gente que virá. / Á barca, à barca, hou!” Ou, isso seria bem mais representado pela passagem do Canto V do “Inferno” primeira parte do monumental e mitológico livro (Divina Comédia) de Dante Alighieri? Eis o que ele escreve:

“E ela me disse: “Não há maior dor
que o recordarmos o tempo feliz
já na miséria; sabe-o o teu doutor.

Se por saber da primeira raiz
do nosso amor tu tanto assim porfias,
serei como quem chora ante o que diz.

Por passatempo líamos um dia
de Lancelote e o amor em que ele ardeu;
éramos sós, maldade não havia.”


Minha mãe está na UTI. E cinco andares acima, de onde ela se encontra, está a maternidade, eis o paradoxo. Uns morrem, outros nascem, num mesmo lugar tudo isso é concebido – hospital.

A rigor, não cabe aqui detalhar o que lhe acometeu. Inclusive, nem é a minha intenção isso. Então voltemos a essa última parte da estrofe do Dante, que me traz a memória, um último debate que tivemos de poesia (que é nosso fraco comum), e antes da sua internação (esse hábito era costumeiro entre nós). Discutíamos, sobre os heterônimos do Fernando Pessoa, em especial o de Ricardo Reis (estima-se que ele tenha 72 heterônimos, segundo Teresa Rita Lopes, uma das maiores autoridades da sua vasta obra). Quanta saudade disso. Com ela, podia falar abertamente, sem ter de medir e caçar palavras, com medo das pessoas não entenderem meu vocabulário, e me acharem demasiadamente pedante...

Mas como num piscar de olhos, ela não está mais em nosso lar. E como já faz dias, estou começando a desconfiar que o Sansão (nosso cachorro) está até deprimido. Até seu estimado pintassilgo, sempre cantador de outrora, e conosco desde filhote, aliás, ele veio para nossa casa em 1992 (quando ainda nem sabia comer sozinho) e, portanto ele tem 17 anos, contudo, mesmo sendo velhinho ainda mantém sua visão intacta (fato raro esse), já não ouço mais sua sinfonia pelas manhãs e muito menos nas tardes, creio que do jeito dele, ele também sente sua falta. Talvez, seja essa sua abstinência o seu secreto protesto...

No sábado (11/07/09), ela foi para a semi-intensiva da UTI, e como pode receber visita, decidi abrir mão da oportunidade (pois só podem entrar duas pessoas lá), e foi minha irmã e tia (que é a mais chegada delas, para com ela, e mora no interior de São Paulo, que veio justamente pra ver ela). Eu, apenas, meio que sem jeito, disse para minha irmã, que se ela estivesse falando, que me desse algum conselho pra vida...

Minha irmã deu o recado pra ela, mas no calor da situação e da empolgação, de poder ver ela, tocar e falar com ela se esqueceu de cobrar dela a resposta.

Ontem (13/07/09), quando novamente estive no Hospital, pois de sábado para domingo, seu estado piorou, e ela retornou para a UTI, uma enfermeira, quando me viu, trouxe-me as mãos um bilhete dela, que ela tinha ditado para o médico, para que a mim fosse entregue. Ele dizia exatamente isso:

“Que conselho daria para meu filho de 26 anos? Apenas um, meu próprio exemplo: Durante toda minha vida lutei para atingir a perfeição, em tudo que colocasse minhas mãos. E por ironia do destino, a perfeição sempre me escapou. No meu atual estado, certamente eu tenho e continuarei buscando isso tenho de tentar mais uma vez. Que na sua vida, isso não seja diferente, hoje e sempre...
Tenha por seu guia, Ricardo Reis e lembre-se do seu sobrenome.”


Ela se referia ao poema (PARA SER GRANDE, SÊ INTEIRO: NADA), que justamente discutíamos do Ricardo Reis, que diz assim:


“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, por alta vive”.


Quanto ao meu sobrenome é Oliveira. Hoje coloquei aqui nessa postagem uma amendoeira. Apenas para fazer uma leve referência. Eis uma exegese feita de mão dada a você leitor... Aliás, nunca pense que os quadros que posto junto com os textos, são meras ilustrações que dão certa boniteza ao blog, pelo contrário, tudo se mescla: texto e quadro. E os quadros sempre querem dizer algo, que se encontram explícitos ou nas entrelinhas nos meus textos. Aliás, um grande amigo meu, certa vez me indagou:

- O que vem primeiro? Ou seja, primeiro você escreve o texto, e depois procura um quadro, que se adeque a ele? Ou escolhe um quadro primeiro e depois faz o texto baseado nele?

Eu disse pra ele:
- Me responde antes uma coisa, e te responderei em seguida isso.
- Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?

Como ele não se arriscou em responder isso, nunca dei a resposta pra ele. E muito menos ele voltou a me aporrinhar com essa questão...

Mas voltemos à explicação do Oliveira...

Simples, a Oliveira (árvore), quando o vento/tempestade sopra contrário a ela, suas raízes se estendem mais e mais no solo, e se enraízam e fortalecem-se de tal forma, que a cada novo vendaval, ela se torna ainda mais forte. E, justamente na adversidade que ela se fortalece...

Por isso, que o Apóstolo Paulo, quando escreve a igreja de Coríntios, na sua segunda carta disse:

“Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte”.

Que a mensagem cifrada da minha mãe, mas que foi decodificada aqui possa habitar ricamente na raiz do seu coração caro leitor, assim como habitará para todo sempre no meu.

E para aqueles, que as sobrancelhas se arqueiam e duvidam disso que expus aqui, sugiro refletirem sobre isso:

“Pode um menino que nasceu na miséria e foi analfabeto até os 17 anos de idade tornar-se um dos maiores políticos de todos os tempos? Sim, Abraham Lincoln conseguiu.
Pode um homem que tem as duas mãos destruídas pela lepra vencer sua própria limitação e tornar-se um grande escultor? Sim, o “Aleijadinho” que inclusive é brasileiro, conseguiu.
Pode uma mulher nascer cega, surda e muda, torna-se uma das eruditas de sua época, mais iminentes, escrever livros e formar-se com louvor no mestrado e doutorado? Sim, Helen Keller conseguiu.
Pode um homem ser surdo dos dois ouvidos e tornar-se ainda assim um dos maiores músicos do mundo, reverenciado até os dias de hoje? Sim, porque Bethoven conseguiu.”

O que todos eles têm em comum? Persistência em buscar a perfeição, pois a insistência é o caminho que leva a ela, e não desanimaram face quaisquer dificuldades da vida. Aliás, se o mundo do cego é limitado pelos olhos que não vêem e o do surdo pelos sons que não escuta, O MUNDO DOS PUSILÂNIMES É LIMITADO PELOS SONHOS QUE NÃO POSSUEM.



SOLI DEO GLORIA.

***

4 comentários:

  1. Marcelo...
    Lindo texto, tenho certeza que sua mãe ficará orgulhosa em ler mais um texto magnifico seu!!!
    Tudo ficará bem, que Deus abençõe vocês!!!!!!

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  2. Marcelo, mais do que um texto maravilhoso, há um coração e um exemplo de vida brilhante. Rapaz, Deus te dê forças neste momento e que te conceda muito mais que força, inspiração: para viver e escrever lindos testemunhos como esse. Força rapaz!!!!

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  3. sem palavras... parabéns mais uma vez estou lendo e ao mesmo tempo caindo lagrimas...lindo texto sua mãe agora esta com DEUS. e muito orgulhosa de vc...pode ter certeza a resposta dela foi verdadeira e brilhante...acredite vá em frente amigo...seja grande sempre!!! beijos de sua amiga lúh***

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  4. Simplesmente, lindo! Sem muitas palavras para me expor...

    Beijos!

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