terça-feira, 23 de março de 2010
EM BUSCA DA FELICIDADE PERDIDA
A Escola de Atenas (1508-1511), afresco de Rafael
Acredito que a FELICIDADE seja uma busca corrente, que transcende todas as barreiras possíveis e imaginárias da humanidade; e constitui-se amplamente disseminado por todo mundo. E não obstante a isso, é algo muito bem distribuído na face da terra. Aliás, como dizia Pascal:
“Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar”.
Confesso que é um tema que me fascina de longa data, e não só a mim, como muitos filósofos, desde dos pré-socráticos, passando por Sócrates, Platão, Spinoza, Kant e os filósofos atuais, como por exemplo: André Comte-Sponville.
Obviamente que diante de um tema como esse, que remonta a séculos de história filosófica, e se permanece mais do que nunca atual, em nossos dias, seria muita pretensão da minha parte querer esgotá-lo. Aliás, creio que tanto o passado e a verdade da filosofia, sempre estarão diante dos nossos olhos. Todavia, nunca terminaremos de esgotar seu imenso e agradável conteúdo. Mas podemos lançar uma luz sob eles, e procurar compreendê-los a fim de buscarmos um apóio, para vivermos uma vida melhor, e por que não sermos: FELIZES? Pois como disse Sponville:
“Se a filosofia não nos ajuda a ser felizes, ou a ser menos infelizes, para que serve a filosofia?
Posto isto, creio que se faz necessário buscarmos uma definição, do que seria a Filosofia, uma vez que será tratada mormente aqui, como um caminho que trilharemos em busca do que é verdadeiramente ser – FELIZ. E dentre as várias opções, creio que a de Epicuro, que data de vinte e três séculos atrás, seja a que mais me agrada, e portanto, com ela fico:
“A filosofia é uma atividade que, por discursos e raciocínios, nos proporciona uma vida feliz”.
Albert Camus, sempre foi ácido em seus comentários, e nem por isso, deixou de transparecer através de suas obras, uma singularidade à parte, no rol de grandes escritores/pensadores. Vejamos sua frase:
“Os homens morrem, e não são felizes”.
E quando nos debruçamos sobre a mensagem acima, uma pergunta inquietante nos ronda a mente: e por que os homens não são felizes? É como a história do padre idoso, que quando ao ser questionado sobre o que mais angustiava seus fiéis no confessionário, ele disse:
“Vou lhe dizer duas coisas: a primeira, é que as pessoas são muito mais infelizes do que se imagina. A segunda, é que não há grandes pessoas”.
Portanto, é necessário termos uma pedra de apóio, que nos ajude nessa caminhada. E essa pedra, se chama: sabedoria. E por que precisamos dela? A tradição filosófica diria sem pestanejar, que ela é imprescindível, mas quais as provas disso, para nós do século 21, ou seja, por que ela se faz necessária? Simples, pois somos infelizes. Nossa insatisfação. Nossas angústias e inquietações – são latentes.
E justamente na sabedoria, é que acharemos um contra-ponto disto tudo; e trilharemos/desvendaremos o caminho para a felicidade; por isso é que precisamos filosofar, com vistas a nos ajudar a viver melhor, aqui e agora; e não um filosofar apenas com vistas para meras especulações eruditas da história da filosofia; como dizia Montaigne: “Esses humores transcendentes me assustam, como os lugares altos e inacessíveis”. Por isso, não é estranho nos depararmos com essa reclamação, que se faz corrente em nosso meio, se não vejamos: “Tenho tudo para ser feliz e não sou; o que falta?” Falta-nos sabedoria. Mas não aquela sabedoria dos estóicos (fundada em Atenas em 300 a.C. por Zenão de Cítio [332-262 a.C.]) ou dos epicureus (fundada também em Atenas em 306 a.C. por Epicuro [341-270 a.C.]). Onde em ambas as escolas, defendiam que o verdadeiro sábio é feliz em toda e qualquer circunstância, independentemente do que lhe possa acontecer. Sua moradia pegou fogo, com sua mulher e filhos? Não ligue: você tem a sabedoria, você é demasiadamente feliz! É isso que importa. Acho-me incapaz de ser assim, e creio que qualquer outra pessoa em sã consciência também. Aliás, não desejo essa sabedoria para ninguém. E não é de se estranhar, que essas duas escolas filosóficas, disseram que nunca existiu um sábio assim.
Precisamos retomar Pascal, quando ele diz:
“Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar”.
Notamos então que todos buscam a felicidade, inclusive o que estás prestes a se enforcar. E essa busca desemboca no desejo, e justamente esse desejo, é o que move esse impulso de se enforcar ou não, que tem como alvo – alcançar a felicidade. Como dizia Spinoza: “o desejo é a própria essência do homem”. Logo, num primeiro momento – ser feliz, é termos o que desejamos.
Mas o que vem a ser o desejo? Uma resposta, que perpassa a história da filosofia, e que mais me apraz é a que Platão dá em O Banquete, tirada dos lábios de Sócrates: “O desejo é falta.” E aqui todos nós somos um pouco platônicos (obviamente num sentido de platonismo espontâneo), mas na medida em que (todos nós) desejamos o que nos falta, será impossível sermos felizes. Qual o motivo? Porque o desejo é falta, e logo como falta é um sofrimento que teremos de carregar. Pensemos: Como podemos ser felizes, se o que anelamos para sermos felizes nos falta? Todavia, no âmago da questão, a priori, precisamos entender o que é ser feliz? Com base nos grandes filósofos, desde Platão, Epicuro e Kant: ser feliz é ter o que se deseja. Claro que aqui, não seria tudo que desejamos, pois se caso fosse, seria bem simples entendermos o porquê nunca seríamos felizes de fato; e que essa felicidade, como diz Kant: “seria apenas um ideal não da razão mas da imaginação”.
Então ser feliz, não é ter tudo que desejamos, mas pelo menos uma parte, e para alguns, talvez, a maior parte. Todavia, como o desejo é falta, só queremos o que nos falta, aquilo que não temos. Mas se pensarmos profundamente na questão, eis que estamos num círculo, pois se só desejamos o que não temos, nunca teremos o que desejamos, e para tanto – nunca seremos felizes. Claro que um desejo vai ser satisfeito um dia, posto que a vida não é tão dura assim conosco. Mas a questão é que, assim que um desejo é satisfeito, um outro nasce, e vivemos presos nesse picadeiro infernal, rodando em círculos. Vejamos um exemplo:
“Uma criança, que sabe que está perto do seu aniversário, e como ela vive no século 21, já escolheu seu presente, e informou seu pai e mãe - o que ela deseja ganhar. Todavia, com o passar dos dias, ela continuamente indaga seus pais, se está perto do seu aniversário. Pois ela deseja demais esse brinquedo, que irá lhe fazer a criança mais feliz do mundo.. E quando finalmente, chega o dia, em que ela ganha seu presente. Ela fica imensamente feliz nos primeiros dias, passado uma semana ela ainda mantém essa tenra alegria, e ainda brinca com o brinquedo. E finalmente, com três semanas, ela abandona de vez seu novo brinquedo, e pergunta aos seus pais, sobre quando será seu aniversário novamente..”
O nó da questão, é que se torna deveras muito fácil desejar o que não tenho, aqui no caso o brinquedo e que sem ele eu seria infeliz, pois a felicidade verdadeira reside em ter o brinquedo. Mas assim que ela é satisfeita, nasce outro desejo, que é o brinquedo do ano que vem, e assim a criança vai vivendo insatisfeita, enquanto não chega seu aniversário. Então, é o que Platão explica: o desejo é falta. O brinquedo que ele ganhou, já não lhe faz falta, pois já têm o que queria, portanto a criança já não deseja... Ora, como ela pode ser feliz? Não têm o que deseja, mas simplesmente o que desejava, e que foi satisfeita. O grande desafio aqui, e que é muito mais difícil desejar o brinquedo que eu tenho, o que já não me falta. E saciar-me com ele. Por isso que George Bernad Shaw, dizia:
“Há duas catástrofes na existência: a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando são.”
Woody Allen tem uma frase intrigante, que diz assim: “Como eu seria feliz se fosse feliz!” Obviamente, isso seria impossível de ser concretizado um dia, posto que está continuamente esperando vir a sê-lo um dia. E justamente nessa falsa esperança é que muitas pessoas vivem. Já outras em meio a múltiplas diversões tentam deixar isso de lado, outras se esquecendo do assunto de vez (se é que conseguem isso). Todavia, penso que se faz necessário romper com tudo isso, ou seja: essa falsa esperança.
Então o que se entende por “felicidade”? Quando alguém de declara feliz, diversas coisas podem estar acontecendo: a) posso estar feliz porque algo em particular é o caso (meu time ganhou a Copa, consegui um emprego, for descoberta a cura do câncer etc.) e isso me deixa mais satisfeito do que estava antes, ou seja, isso me traz felicidade; b) posso estar me sentindo feliz agora, quero dizer, durante um determinado intervalo de tempo, e isso independentemente de ter ou não motivos conscientes e definidos para a sensação de contentamento e bem-estar que me alegra o coração e c) posso dizer que sou feliz porque ao avaliar a minha vida no seu conjunto eu sinto que, no geral, posso me dizer satisfeito com ela – com as oportunidades que recebi e as escolhas que fiz, com as experiências que tive e com a trajetória de minha existência até aqui. Neste último caso, a felicidade não é apenas uma sensação local (estar feliz), mas inclui um componente reflexivo (sabedoria), ou seja, ela é um sentimento calcado numa avaliação global de minha vida (ser feliz).
O ponto a que eu quero chegar é que o sentido de felicidade que mais me interessa, é o do grau de satisfação global com a vida que se tem – ser feliz mais que o estar feliz.
E você leitor, qual a sua opinião?
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"Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
ResponderExcluirapesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si.
mas ser capaz de encontrar um oasis no recôndido de sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É falar de si mesmo
É ter coragem para ouvir "não".
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."
Fernando Pessoa