quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CONTOS diVINO: GÊNESIS




Eles mantinham sempre a mesma rotina, toda sexta-feira, encontravam-se ao cair do dia no Crémerie Restaurant Polidor (41, rue Monsieur-le-Prince, 75006) em Paris. Nunca se atentaram, mas desde que passaram o comando das respectivas vinhas aos seus herdeiros e decidiram morar na Cidade Luz, sempre viam ao mesmo lugar. Alguns hábitos entram em nossas vidas e nem percebemos; já outros, temos de lutar a vida inteira para incorporá-los ao nosso dia. Embora fosse de comum acordo o local do sagrado encontro diário, as coincidências paravam por aí, pois, diferiam sempre no campo das idéias. Nunca entravam num consenso; e os garçons sempre se perguntavam por que sendo eles assim, ainda continuavam sexta após sexta se encontrando? Como poderiam dois homens já velhos, que aparentemente não tinham nada em comum, continuarem com aquele estranho ritual de encontro? Certas coisas possuem explicações, outras, não sabemos as respostas – assim é a vida.

- Marcel Godard, hoje eu vi pensando no que trabalhamos a vida inteira, e me dei conta de algo importante e sem explicação...
- Ora, Jean-Luc Truffaut, meu velho o que lhe perturba? Fale quem sabe eu sei a resposta.
- Acho que não Godard.
- Vamos Truffaut, fale logo e deixe de enrolação.
- Tudo bem Godard, que nação ou ser inventou o vinho?
- Hum! Creio que foi Noé.
- Errou Godard! Não disse que você não sabia, pois Noé foi o primeiro homem a embriagar-se com o vinho, contudo, o vinho já existia antes dele.
- Truffaut, então se existia antes dele, só pode ter sido Dionísio o filho de Zeus e da princesa Sêmele; que segundo a mitologia grega viveu parte da sua vida fugindo da madrasta Hera, e numa dessas fugas ele resolveu inventar uma bebida oriunda da uva, para lhe acalentar a alma, e hoje há conhecemos como: vinho.


A conversa se tornava acalorada e não chegavam num consenso; os demais clientes constrangidos e irritados com a situação chamaram o maître do Crémerie, que já conhecia os dois velhos desde que apareceram ali pela primeira vez, e tomando ciência da querela entre ambos, disse em alta voz aos dois:

- Senhores, vocês concordam que quem inventou a uva foi Deus?
Os dois olharam entre si e acenaram que sim com a cabeça.
- Então a resposta é simples: Se Deus inventou a uva o diabo – vinho.


Não é o que nos acontece que nos magoa, mas a resposta que damos ao episódio. Como Godard e Truffaut na sexta-feira seguinte voltaram ao mesmo restaurante de costume, todos ficaram aliviados e convictos que ao menos uma vez, eles concordaram com algo na vida.


***

1 comentários:

  1. Achei muito interessante o conto, realmente não sabemos de muitas coisas na vida, que dizer acredito que não sabemos nem um terço.

    Parabéns vou virar leitora dos contos!

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