sexta-feira, 22 de junho de 2012

ASSIM ENTENDO A PALAVRA: O NOSSO PIOR INIMIGO


NARCISO (1594-1596) DE CARAVAGGIO


Qual seria o nosso pior inimigo?

Quando retrocedemos no tempo e analisamos com calma a passagem capital da queda, em Gênesis 3: 4-6 temos o seguinte texto: “Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos seus olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu”.

Notem a sutileza de como a serpente trata com Eva, pois em hipótese alguma ela sugere a Eva: “Venha me seguir”. Pelo contrário, a serpente sabia que entre Deus e ela (serpente) nós ficaríamos com Deus, agora entre Deus e o nosso (eu) nós tendemos ao nosso eu. E nessa tentação ela sugere a Eva que seja dona do seu próprio “nariz” que conheça o bem e o mal e o pior de tudo: “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus...”

Ora e isso já não nos é o suficiente para destruição? Pois quando deixamos Deus de lado e nos arvoramos a querer ser igual a Ele e seguimos por conta própria nosso caminho, é certo que nossa destruição está há um passo. Nisso a serpente descansa feliz, pois ela nem sequer quer que nós a sigamos, pelo contrário, basta que sigamos a nós mesmos, ao nosso ego inflamado e isso por si só é o caminho para o fim, pois apartados de Deus, seguindo o nosso (eu) para onde podemos ir?

A tentação gira em torno de algo que é próprio e entranhado na natureza humana: o desejo. Somos seres que desejam a todo instante e raramente nos contentamos com o que temos. A melhor definição de desejo que tenho conhecimento está em Platão, no livro: O banquete. Em meio à refeição acabam escolhendo um tema para falarem, no caso a pauta era o amor. Sócrates, por cuja boca Platão costuma se exprimir dá a seguinte resposta: "O amor é desejo, e o desejo é falta". E Platão reforça: “O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor”. Essa idéia atravessa a Grécia antiga e chega até nós no século XXI. Um outro exemplo, é Sartre: “O homem é fundamentalmente desejo de ser” e “o desejo é falta”.

Na medida em que Platão tem razão, ou na medida em que somos platônicos (mas no sentido de um platonismo espontâneo), na medida em que desejamos o que nos falta, é impossível sermos felizes. Por quê? Porque o desejo é falta, e porque falta é um sofrimento. Como você pode querer ser feliz se lhe falta, precisamente, aquilo que você deseja?

Voltemos a Eva, para nos lembrar que ela e Adão poderiam comer de todo o fruto das árvores do jardim, exceto: do fruto da árvore que estava no meio do jardim, pois Deus disse para dela não comer e nem tocar, para que não morressem. E o que foi que Eva e Adão fizeram com a referida árvore movidos pelo desejo?

Pensemos, é muito fácil desejar o que não tenho. O que nos falta é desejar o que já temos o que não nos falta! O que proponho é uma inversão de desejos. Fazer sossegar a nossa alma e principalmente conhecer a nós próprios, bem como a nossa natureza humana e querer aquilo que já possuo; com isso pouparíamos nossa alma de muitos dissabores na vida.

Tomás de Kempis no excelente livro: Imitação de Cristo, possivelmente escrito em 1441, dá o tom: “Que mais rude combate haverá do que procurar vencer-se a si mesmo? E este deveria ser nosso empenho: vencermo-nos a nós mesmos, tornarmo-nos cada dia mais fortes e progredirmos no bem.”

Mas voltemos à pergunta inicial: “Qual seria o nosso pior inimigo?”

Simples assim: nós mesmos! E eu não tenho dúvida disso...

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