CRÔNICAS AVULSAS: DESFIZ 30 ANOS...

Adoro ler e escrever, isso é algo tão natural para mim como o respirar. Contudo, sempre que me sento para escrever, procuro usar as palavras com precisão porque as palavras devem revelar o ser. E assim, usando de forma precisa as palavras, que comunico aos meus leitores que desfiz 30 anos...

Creio que leitores logo se apressarão em corrigir meu uso estranho, nunca visto, da palavra “desfazer”, atribuindo-o, quem sabe, a um início do mal de Alzheimer. De fato todo mundo sabe que, para se anunciar um aniversário, o certo é dizer “fiz” tantos anos. E no meu caso, seria “fiz” 30 anos.

Porém, analisando o verbo “fazer” logo sabemos que ele sugere algo que aumenta, um crescimento do ser, mais um livro publicado pelo escritor, mais um carro rodando em São Paulo.

Mas qual é o ser que aumenta e cresce com a passagem do tempo, esse monstro que devora seus filhos? Com a passagem do tempo aumenta o vazio. Esses anos que o aniversariante distraído anuncia como anos que ele está fazendo são, precisamente, os anos que se desfizeram, o Ser que foi engolido pelo Nada...

Por isso acho um equívoco filosófico perguntar a alguém: “Quantos anos você tem?”. O certo seria perguntar: “Quantos anos você não tem?”. E a pessoa responderia: “Não tenho 37 anos”, “Não tenho 27 anos”. Porque esse número de anos indica precisamente os anos que aquela pessoa não tem mais. Nos aniversários, então, a maneira filosoficamente correta de se dirigir a um aniversariante é perguntando-lhe: “Quantos anos você está desfazendo hoje?”.

Desfeitos, portanto, meus 30 anos, chego à conclusão de que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a chama da esperança da alegria. Desfeita a esperança da alegria, a vida perde o sentido. É isso que desejo quando acendo minha vela. Peço aos deuses que me levem quando a chama da esperança da alegria se apagar.

***