sexta-feira, 15 de maio de 2015

CONTOS diVINO: O SOMMELIER



"a sua fama será como a do vinho do Líbano". Oséias 14.7

            - Viajo porque preciso, volto porque te a...

            A porta bateu com um estrondo feroz em sua cara e Vieira não teve tempo hábil de concluir sua frase de amor. Estava fora do Rio de Janeiro, onde morava – há exatos quinze dias. Sua esposa enraivecida com seu trabalho, não o deixou sequer entrar em casa; mal teve tempo de anunciar a boa nova, de que finalmente ganhara o concurso de melhor sommelier do mundo, realizado pela Association de la Sommelleire Internationale. Cabisbaixo e resignado, voltou para as ruas do Leblon por onde perambulou até o posto 9, quando finalmente encontrou um quiosque ainda aberto, o casamento de ambos já vinha degringolando com o passar dos anos e dava indícios de que um dia poderia acabar; afinal o que é para sempre, sempre pode acabar.

            - Uma cerveja, por favor!
            Rapidamente um garçom sonolento o atendeu, já passava das 23h.
            - Aqui mestre! Algo mais?
            - Não, só isso. Obrigado!

            Vieira bebeu bem devagar sua cerveja, a cada gole ia pensando em tudo que vivera até ali em seu casamento e a certa altura quase já no fim da garrafa se deu conta que estava completamente sozinho no quiosque, quando o mesmo garçom que o atendera se aproximou e puxou assunto.

            - Conheço você! Vi sua foto na revista de vinhos, você é o maior Sommelier do mundo. Saiu até no telejornal. E engraçado, agora está bem aqui bebendo cerveja em nosso quiosque.
            - Pois é amigo, ando numa fase ruim. E se bebe vinhos em ocasiões alegres, quando bebemos cerveja é para espantar nossos demônios internos.

            A carreira de Vieira foi meteórica! Trabalhou nos melhores restaurantes do Rio de Janeiro e São Paulo, era uma sumidade em sua área, certa feita numa degustação as cegas em uma vinícola do Sul do país, adiou o lançamento de um vinho, pois ao provar este não o recomendou e argumentou solidamente os motivos para tal, deixou os proprietários da vinícola boquiabertos, que acataram rapidamente seu parecer. Sua vida profissional ia de glória em glória, e chegou ao cume mais alto quando ele finalmente ganhou o disputadíssimo prêmio Association de la Sommelleire Internationale, que ocorre desde 1969, a cada três anos. Nesse ano se inscreveram mais de mil sommeliers do mundo todo, e somente cinqüenta e quatro deles passaram para as quartas de final e depois finalmente, só doze deles foram para a grande final, que ocorreu no restaurante Parador dos Reis Católicos, em Santiago de Compostela, um hotel cinco estrelas.

Enquanto pagava sua conta no quiosque, Vieira pegou seu celular e viu uma mensagem vinda de um grande produtor de vinhos da Espanha, que o convidava para uma grande degustação da sua mais recente safra, não titubeou em seu pensamento, decidiu viajar novamente para fora do Brasil, e aproveitar a boa onda que soprava a seu favor, já que seu nome agora mais do que nunca seria muito requisitado nos grandes eventos de vinhos, mundo afora. Sentiu-se bem consigo mesmo e com a consciência tranqüila quanto ao seu casamento e o triste fim que tomara. As palavras de sua esposa ainda ecoavam em sua mente e insistiam em lhe alfinetar:

- Você ama mais a sua profissão do que a mim. Na realidade, seu único casamento foi com os vinhos – nada mais.

            Alguns meses depois da separação em juízo, Vieira sentado no espaço gourmet de sua bela cobertura de frente para o mar, no Rio de Janeiro, refletia sobre tudo. E anotou em seu inseparável diário:

            “Não existe vida se não houver chance real de uma derrota, o fracasso não é o fim, mas o começo para enobrecimento do nosso caráter, só encontraremos o verdadeiro caminho de nossas vidas após passarmos pela dor, vencer é delicioso mas perder é fundamental, e que reside nessas experiências a beleza de toda a jornada humana”.

            Quando colocou o ponto final em seu diário, seu telefone tocou – ele correu para atender e como era de se esperar, ouviu mais um convite para um evento de degustação de vinhos fora do Brasil, aceitou o convite prontamente, pois zelar pela sua fama lhe era sagrado.




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