quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CONTOS diVINO: HOMO HOMINI LUPUS*




O LOBO (1913) DE FRANZ MARC


Na tradicional região de Mendoza, expoente máximo da produção vinícola da Argentina, Alejandro Roca, ganhava a vida contando histórias, pois cria piamente que a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la. Em cada veia sua que respirava, corria um sangue turvo, de desejo e história; como um dos lendários vinhos de Pablo Massinissa, da Viña del Toro, que buscavam nas suas entranhas o sumo de sua memória...

O ponto máximo no seu passeio de enoturismo era quando se deparava com portal da Viña del Toro, sua voz adquiria um tom mais elevado, seus olhos adquiriam um brilho diferente e ele suspirava fundo ao contar toda história dessa Viña lendária aos turistas; que assimilavam cada palavra sua avidamente.

Todos os turistas que vinham a Mendoza tinham enorme curiosidade sobre essa Viña, já que sua lenda atravessou os oceanos e se tornou conhecida de todos os enófilos espalhados pelo mundo. O roteiro das visitas às vinícolas inicia-se pela admiração dos vinhedos, seguida de percurso e descrição da bodega aos visitantes, que podem vislumbrar as etapas de produção do vinho. Ao final, o turista tem direito a uma pequena prova dos produtos no interior da loja, onde eles também podem ser adquiridos, contudo, em Mendoza, exceto um vinho não poderia ser comprado, justamente o da Viña del Toro.

Esse famigerado vinho de alto padrão, conforme a lenda foi o único a sobreviver à grande praga de filoxera que ocorreu em meados do século XIX, que arrasou por completo com todas as vinhas da Europa e da América do Sul, levando muitas vinhas à falência. E somente a Viña del Toro, com o vinho Castillo de Dios saiu incólume a tão grande praga.

Alejandro Roca, toda vez quando questionado sobre esse milagre, esfregava o queixo pensativamente, depois se inclinava como se fosse revelar um segredo importante:

“Bem, a questão é a seguinte...”

Os turistas ficavam ainda mais silenciosos. Articulando cada palavra com cuidado, ele disse:

“Conhecemos as ferramentas... mas não os meios”.

Quando pronunciava essa frase, um ar de satisfação estampava-se em seu rosto queimado de sol. E continuava sua aula aos turistas:

“No século XIX Don Pablo Massinissa, conheceu Helena Toboso, apaixonou-se perdidamente e um ano depois do namoro, estavam casados. E moravam na Viña del Toro. Massinissa era um homem esmerado e obsessivo na produção dos seus vinhos e começou a passar mais tempo na produção do famigerado vinho: Castillo de Dios, que mesclava 77% de Malbec e 23% Pinot Noir do que em casa. Toboso que nutria uma paixão antiga por um amante de sua mocidade, não perdeu tempo, e logo começou a trair Don Massinissa.
Ninguém é mais cego para o perigo do que aqueles que continuam a confiar em seus próprios olhos. Assim, a traição durou por mais de um ano, até que certo dia, Don Massinissa, voltou mais cedo para casa e surpreendeu sua esposa em flagrante adultério com seu amante da juventude. Assustado o rapaz – pulou a janela da casa e fugiu sem roupa, Don Massinissa tentou pegá-lo, mas a idade avançada já não contribuía para tal caçada.
O tempo passou e o sentimento de possessão aumentou. A inteligência tem limites, mas a ignorância é infinita. Helena Toboso, já não agüentava mais o ciúmes do seu marido, e quando ficou sabendo que seu amante tinha fugido da cidade, caiu em profunda depressão. O ciúme morre com o amor, mas somente em relação ao ex-amado. Horrendo qual um morto-vivo, o ciúme se renova como a Lua, sempre tentando descobrir o que já não lhe interessa, mesmo depois que o objeto do desejo foi, literalmente, enterrado. O verdadeiro objeto do ciúme é ‘aquele dia, aquela hora do passado inalterável’, e mesmo esse tempo foi menos real do que ficcional, um episódio no desaparecimento do próprio eu.
A situação chegou a tal ponto de loucura, que Helena Toboso, num dia de aguda crise, cortou seus pulsos no meio da vinha do seu marido e seu sangue jorrou no terroir.
Essa é a história”.


Por isso que a lenda diz, que somente a Vinã del Toro sobreviveu a grande praga de filoxeria porque em seu terroir tinha o sangue de Helena Toboso. Como perdeu sua amada, ainda que traído Don Pablo Massinissa ainda amava sua mulher e logo após o seu falecimento, se isolou de todos e nunca mais ninguém teve notícias suas. Dizem que ele guardou todos os vinhos Castillo de Dios como se fossem um verdadeiro tesouro e após sua morte – nunca mais ninguém os achou, exceto uma única garrafa. Fez isso pois acreditava que dessa safra maravilhosa e resistente a praga, cada garrafa não continha apenas o vinho, mas o sangue de sua amada.

Hoje em pleno século XXI, uma garrafa do lendário vinho: Castillo de Dios, da Viña del Toro, tem valor inestimável, e somente temos um único exemplar desse vinho – que fica guardado no Musée du Vin em Paris, que atesta para a veracidade de sua lenda...


***

*O homem é o lobo do homem.

1 comentários:

  1. Oi...

    eu já tinha lido esse conto no seu blog...

    lembrei da história... achei o máximo!!! Eu estou lendo O Cortiço, mas não consigo
    me aprofundar assim como vc... rsrs Gosto pq entro na história, é um tipo de viagem sabe... sei lá, não sei explicar... A imaginação vai além... rsrs Muito legal o conto adorei... so não postei nda no dia pq não consegui...

    Kelly Longo Moitinho.

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