segunda-feira, 1 de abril de 2013

EXCERTOS DA 7ª ARTE (PARTE XVII)



The Wrinkles of the City
La Havana, Alfonso Ramón Fontaine Batista, Cuba,2012

Disparado o melhor filme que assisti até agora em 2013: O Quarteto! Sem sombra de variação – simples assim.

Quando acabou a película (e assisti a mesma no Cine Livraria Cultura – SP) na sala 01, que é sensacional e dispensa comentários (quem já foi sabe do que eu estou dizendo e quem não foi – vá) disparou em minha mente a frase mítica de François Truffaut (a quem tenho profunda admiração) eis a famigerada frase:

“Quando pensamentos pessimistas... me atravessam o espírito,
tranqüilizo-me rememorando a última seqüência de um filme
de Ingmar Bergman... Luz de Inverno. No final... vemos um
padre que quase perdeu a fé celebrando uma missa em sua
Igreja completamente vazia... interpreto essa cena de outra
forma: ‘Bergman quer nos dizer que os espectadores do
mundo inteiro estão se desligando do cinema, mas acha que
devemos continuar mesmo assim a fazer filmes... ainda que
não haja ninguém no cinema”.

Cinema (denominado de a 7ª Arte) é para poucos... Saber apreciar um bom filme então vai na mesma linha. A maioria se perde em filmes blockbuster e ainda se acham intelectuais por verem: Duro de Matar 47, Mercenários 12, Velozes e Furiosos 55 e por aí vai...
A lista é imensa e tem para todos os tipos e gostos.

Lego engano, quem se acha dono do saber por conhecer filmes assim (e digo isso, pois conheço várias pessoas assim) não passam de pseudo-intelectuais que Woody Allen bem tratou em Meia Noite em Paris, no personagem Michael Sheen. Hollywood agradece de barriga cheia esse faminto público...

Hoje temos realmente muita informação, mas pouca formação. Parece ser tudo igual na frase, mas – não é.
Formação, a minoria possui, pois vai além do lugar comum, são pessoas que não tem preguiça de pensar, correm atrás, descobrem, buscam o saber (numa vida inteira – sem parar). Já a informação, qualquer um hoje tem na mão (vasta e farta) dos mais variados temas. Um não chega nem perto do outro. Mas, a maioria nada de braçada nas informações: simples, vazias, ocas, sem conteúdo e sem relevância para suas vidas... Pobres diabos, não passam de massa de manobra – da “Indústria cultural” como bem disse e tratou Theodor Adorno no seu livro: "Indústria Cultural e Sociedade" da editora Paz e Terra.

Deixo duas pequenas citações do autor – extraídos desse livro, para livre apreciação:

“O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade de que nada são além de negócios lhes serve de ideologia. Esta deverá legitimar o LIXO que produzem de propósito. O cinema e o rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos.” (página 08).

“O que não se diz é que o ambiente em que a técnica adquire tanto poder sobre a sociedade encarna o próprio poder dos economicamente mais fortes sobre a mesma sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena”. (página 09).

Frigir dos ovos: “Pensar é tarefa demasiadamente difícil; por isso poucos pensam!” Bem disse Henry Ford.
Se tivéssemos isso entranhado em nós, não aceitaríamos e nem daríamos ibope ao LIXO que Hollywood nos oferece. O capitalismo só respeita o prejuízo, no dia em que pararmos de consumirmos suas porcarias, eles vão parar de nos insultar com tais filmes.

E você caro leitor em qual grupo deseja ser encontrado e estar? Dos que pensam? Dos que não pensam e são levados pela massa que se auto-aliena? Elucubre...

Voltemos ao filme: envelhecer com dignidade, não se achar incapaz – mesmo em idade avançada e saber perdoar. São os nortes que o filma nos brinda. O filme é sobrecarregado de significação, explicá-los será, conforme o significado original do verbo, “desdobrá-los” – desfazer algumas das “dobras” onde se alojam seus sentidos, aos quais a meu ver: destaquei esses três acima - que mais saltaram aos meus olhos.

O filme se passa na Inglaterra, num lar para músicos idosos aposentados. E todos que residem ali são artistas; e mesmo ainda em idade avançada continuam praticando seus dotes musicais e relembrando seus tempos de sucesso. Todos os anos a casa realiza um concerto para recolher fundos que permitem a sobrevivência da instituição. A celebração, é claro, é feita com apresentações musicais. Porém, quando Jean (Maggie Smith), ex-esposa de Reggie, integra a casa de repouso, a harmonia do local é quebrada. Enquanto os organizadores da festa vêem na presença de Jean uma oportunidade única de refazer o famoso quarteto que interpretou Rigoletto, com Cissy, Reggie e Wilfred, a nova habitante recusa-se a cantar. As amizades e os amores de antigamente são questionados na tentativa de convencê-la e postos a prova num grande teste final; que culminará numa cena tocante (antes do fechar das cortinas).

Um ponto específico do filme que me chamou demais a atenção e me tocou a alma, é que não sabemos gozar a vida em sua plenitude, quando a idade chega – fato que no filme é amplamente mostrado o contrário, ou seja, todos vivem felizes com o que são e tem. Não conseguimos viver (muitas pessoas) o poema William Blake:

“No tempo de semear, aprender; no tempo de colher, ensinar; no tempo do inverno, gozar...”

A maioria fica imersa por uma tristeza profunda, um sentimento de falta de sentido para tudo na vida, quando a idade chega (e chegará para todos nós, inclusive digo sem puder nenhum, eu mesmo já tenho fiapos de cabelo branco e me pergunto e daí?).

Hoje em dia o processo natural de envelhecer, virou sinônimo de invalidez, incapacidade, inferioridade, doença...

Em nossa sociedade muitos querem viver o mito do Peter Pan (querem ficar jovens para sempre) e a indústria a cada ano lança novos produtos que realçam isso. Os ditos “artistas” sempre se mostram jovens, como se ter uma ruga no rosto – fosse sinal de alguma doença contagiosa. A massa que vê isso, obviamente que induzida por tal “indústria” também quer ser como o fulano ou fulana...
No filme, nos é ensinado à arte do gozo, do viver bem com dignidade, de não ter deveres a cumprir e mesmo assim: sentir-se em paz – pois justamente suas vidas não estão vazias (como muitos em nossa sociedade).

Saber envelhecer é dar lugar ao gozo na vida. Mas isso, simplesmente gozar, não nos foi ensinado. E mergulhamos então numa tristeza de depressão quando a idade chega...

O filme dirigido por Dustin Hoffman vai justamente no contraponto dessa avalanche que a sociedade de consumo e capitalista tenta nos enfiar goela abaixo: de que envelhecer é ruim. Aliás, sim é possível envelhecer e mesmo assim: ser feliz, ter dignidade, ser importante, como vemos no filme e amar novamente independentemente da sua idade.

Se aceitarmos a idéia de que tudo se encerra quando acaba a juventude, minha possibilidade de ser alguém válido diminui a cada ano. Essa perspectiva produz inércia e desperdício de talentos que poderiam ser cultivados até o fim, sem importar a idade.

Pense. Repense. Pense – por favor...

***

0 comentários:

Postar um comentário