domingo, 17 de março de 2013

CRÔNICAS AVULSAS E SONORAS: CONTRA A MENTE DE EXCLUSÃO





Simples assim: a música é parte da minha carne!

Em casa nunca tive uma predileção especial por esse ritmo ou aquele; sempre escutávamos de tudo (obviamente que dentro do aceitável e que fosse arte – essas são as duas únicas regras) e quem incutiu em mim o prazer pela música foi minha encantada mãe; quando revi uma tia minha depois de um bom tempo sem vê-la, após as saudações iniciais e amenidades de costume, foi logo perguntando: “Marcelinho, você ainda escuta o Tom Jobim?” Estranhei a pergunta, mas disse que: “Sim, e não só ele, como outros artistas geniais da nossa bossa nova.” Ela fez aquela cara de assustada e emendou: “Rapaz, não é que a Neuzinha tinha razão?”

(Corta para mim, essa minha tia tem mania de diminutivos, não estranhem, ela é assim mesmo. O Machado de Assis criou um personagem que era dado aos superlativos, o grandíssimo José Dias, vide o romance monumental Dom Casmurro – capítulo 4. De uma forma enviesada essa minha tia sofre da mesma doença do amaríssimo José Dias, só que ao invés de superlativos ela é dada a diminutivos...).

Fiquei confuso, e perguntei: “Tia, razão em quê?” Silêncio se fez presente e ela com ar de filosofa, após refletir e puxar algo em sua memória já cansada - começou a preleção:

“Marcelinho, certa feita, fui a sua casa e você ainda estava dentro da barriga da sua mãe, e ela estava ouvindo Tom Jobim e cantando a música dele para você, aliás, não pense que ela apenas lia para você, ela cantava também para você menino. Daí quando vi aquilo tudo, fiquei intrigada, você tinha apenas três meses, ainda iria nascer. Acheguei-me e fiquei pasma com aquilo, sua mãe acreditava piamente que você já entendia tudo... Daí para me explicar ela me deu uma aula (tipicamente coisas da Neuzinha) ela me ensinou que:

‘Lola, você sabia que a razão por que se embalam as criancinhas em ritmo binário é porque, durante os noves meses, elas ouvem a pulsação binária do coração da mãe? Logo, o meu ritmo binário do meu coração se inscreve no corpo do Marcelo como uma memória tranqüilizadora. Mas vai além, você sabia que a música ouvida em tempos anteriores à memória consciente, no sono fetal (caso dele) torna-se parte da nossa carne: mãe e filho? Por isso, canto e leio para ele, mesmo sem o Marcelo ter vindo ao mundo, por assim dizer...’

Destarte – comecei a ouvir música antes de nascer.

O tempo se passou, e hoje após ter desfeito 30 anos, ainda contínuo ouvindo música e lendo, como na época em que estava no útero da minha mãe (em profundo sono). E quando me sento para escrever, sempre estou acompanhado de alguma música, aliás, fico possuído pela música e pelo texto que crio – numa espécie de êxtase e epifania Joyceano.

Essa música do O Rappa é extremamente interessante, pois de certa forma, ela junta todas as pontas das músicas mais diferentes que ecoam pelo nosso Brasil. Sei que para alguns essa música: “Instinto Coletivo”, não representa nada, aliás, para esses tais – nunca ela representará nada. O motivo é simples: suas mentes são de exclusões!

A arte nasce para mim junto a seres humanos especiais, pois estes conseguem abstraírem-se dessa realidade caótica que vivemos e vêem e ouvem aquilo que nós nem vemos nem ouvimos. E os nossos corpos podem ver e ouvir – depois o resultado do que fizeram, ou seja: música, literatura, arte...
Penso que é assim que nasce a arte. Ao ouvir uma música que me comove por sua beleza, eu me reencontro com a mesma beleza que estava adormecida dentro de mim, e que infelizmente, nunca foi despertada.

Amo essa citação de um ser humano para lá de especial, chamado: Fernando Pessoa, eis o que ele nos diz:

“Quando te ouvi amei-te já muito antes. Tornei a encontrar-te quando te achei”.

Essa é a mais bela declaração de amor que conheço. Ou seja, tu já estavas dentro de mim antes que te encontrasse. O nosso encontro não foi encontro; foi reencontro... Isso que o poeta diz para um homem ou uma mulher pode ser dito também para uma música: “Quando te ouvi, ouvi-te já muito antes. Tornei a ouvir-te quando te ouvi...”

O que me tocou a alma, então, não foi a música do O Rappa. Foi o som e a letra da música deles que estavam adormecidos dentro de mim, e que a arte do Falcão e banda, me fizeram acordar. Ao me comoverem com a beleza dessa música, eu me reencontrei com a minha própria beleza. Por isso a música me traz tanta felicidade...

Abaixo a mente de exclusão: ontem, hoje e sempre!


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