segunda-feira, 21 de outubro de 2013

CRÔNICAS AVULSAS: OLHAI AS CAPIVARAS DO CAMPO


Sexta-feira passada, como de costume eu estava na estação Socorro, esperando o trem da CPTM e graças ao meu bom Deus, no meu atual emprego não preciso ir de carro trabalhar, já que a empresa disponibiliza uma frota de utilitários para nós utilizarmos, assim passo a largo do trânsito enlouquecedor da cidade de São Paulo para ir trabalhar e voltar para casa.

Também como de costume, toda sexta-feira a CPTM repete o mesmo discurso:“Por falta de trens, estamos operando com maior intervalo de tempo.” Sempre que escuto o “por falta de trens” fico me perguntando para onde eles poderiam ter ido? Para Marte? Lua? China? Austrália?

O acaso sempre nos espreita e surpreende pena que não estejamos sempre atentos para suas aparições de beleza. Eu ali parado, quase trinta minutos esperando o bendito do trem, quando olho para trás para espiar o rio pinheiros (quase sempre fétido por sinal) me deparo com duas capivaras andando calmamente na encosta do gramado do rio.

Vejo sobrancelhas arqueando-se e pensando: “Mas capivara é bonita?” Sim e não, tudo depende como se olha. Aliás, onde se encontra a beleza? Creio eu que nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a morrer, ou nas pequenas que, sem nada pretender (como as capivaras caminhando numa manhã ensolarada de sexta-feira) sabem incrustar num breve instante uma preciosa pedrinha de beleza no infinito. Como dizia um dos meus cineastas prediletos, François Truffaut: “O prazer dos olhos”.

Mas falar de prazer dos olhos, numa sociedade alucinada que não tem tempo para nada (muito menos para olhar o que acontece ao seu redor) é complicado. Talvez por isso o Livro dos Conselhos recomende: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” E existe um “mundo” de diferença entre simplesmente olhar e reparar.

Poucas pessoas reparam, pois reparar é um olhar para o além. Aliás, nunca vemos além de nossas certezas e cercanias e, mais grave ainda, renunciamos ao encontro, apenas encontramos a nós mesmos sem nos reconhecer nesses espelhos permanentes, que nos espreitam em busca de um olhar mais apurado e generoso. Se nós déssemos conta, se tomássemos consciência do fato de que sempre olhamos apenas para nós mesmos, talvez nosso jeito de olhar o mundo mudasse para melhor. E entenderíamos com mais lucidez o que o poeta Fernando Pessoa, quis dizer quando nos deixou esses versos:

“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

Acredito que coisas extraordinárias podem introduzir no absurdo de nossas vidas uma brecha de harmonia serena, novamente: o prazer dos olhos, para aqueles que sabem reparar. Sim, o universo conspira para a vacuidade, as almas perdidas choram a beleza, a insignificância nos cerca.

Então, olhai as capivaras do campo, pois em cada olhar reparador, se sublima o tempo...

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 Dedicado para: A.P.M.

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