Sexta-feira
passada, como de costume eu estava na estação Socorro, esperando o trem da CPTM
e graças ao meu bom Deus, no meu atual emprego não preciso ir de carro
trabalhar, já que a empresa disponibiliza uma frota de utilitários para nós
utilizarmos, assim passo a largo do trânsito enlouquecedor da cidade de São
Paulo para ir trabalhar e voltar para casa.
Também como de
costume, toda sexta-feira a CPTM repete o mesmo discurso:“Por falta de
trens, estamos operando com maior intervalo de tempo.” Sempre que escuto o “por falta de trens” fico me perguntando para onde eles
poderiam ter ido? Para Marte? Lua? China? Austrália?
O acaso sempre
nos espreita e surpreende pena que não estejamos sempre atentos para suas aparições
de beleza. Eu ali parado, quase trinta minutos esperando o bendito do trem,
quando olho para trás para espiar o rio pinheiros (quase sempre fétido por
sinal) me deparo com duas capivaras andando calmamente na encosta do gramado do
rio.
Vejo sobrancelhas
arqueando-se e pensando: “Mas capivara é
bonita?” Sim e não, tudo depende como se olha. Aliás, onde se encontra a
beleza? Creio eu que nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a
morrer, ou nas pequenas que, sem nada pretender (como as capivaras caminhando
numa manhã ensolarada de sexta-feira) sabem incrustar num breve instante uma
preciosa pedrinha de beleza no infinito. Como dizia um dos meus cineastas
prediletos, François Truffaut: “O prazer
dos olhos”.
Mas falar de
prazer dos olhos, numa sociedade alucinada que não tem tempo para nada (muito
menos para olhar o que acontece ao seu redor) é complicado. Talvez por isso o
Livro dos Conselhos recomende: “Se podes
olhar, vê. Se podes ver, repara.” E existe um “mundo” de diferença entre
simplesmente olhar e reparar.
Poucas pessoas
reparam, pois reparar é um olhar para o além. Aliás, nunca vemos além de nossas
certezas e cercanias e, mais grave ainda, renunciamos ao encontro, apenas
encontramos a nós mesmos sem nos reconhecer nesses espelhos permanentes, que
nos espreitam em busca de um olhar mais apurado e generoso. Se nós déssemos
conta, se tomássemos consciência do fato de que sempre olhamos apenas para nós
mesmos, talvez nosso jeito de olhar o mundo mudasse para melhor. E entenderíamos
com mais lucidez o que o poeta Fernando Pessoa, quis dizer quando nos deixou
esses versos:
“O valor das coisas não está no tempo que
elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos
inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
Acredito que
coisas extraordinárias podem introduzir no absurdo de nossas vidas uma brecha
de harmonia serena, novamente: o prazer dos olhos, para aqueles que sabem
reparar. Sim, o universo conspira para a vacuidade, as almas perdidas choram a
beleza, a insignificância nos cerca.
Então, olhai as
capivaras do campo, pois em cada olhar reparador, se sublima o tempo...
***
Dedicado para: A.P.M.
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