quinta-feira, 20 de março de 2014

CONTOS diVINO: O FIO DE ARIADNE

Foto gentilmente cedida por Alcântara Duran Capra*, tirada no SESC Pinheiros - São Paulo, via Windows Phone.

            Não sei bem ao certo bem onde li essa frase, mas ela parece representar muito bem o meu estado de espírito aqui na cidade Blenheim, ao sul da Nova Zelândia. O fato é que essa bendita frase que li quando ainda era jovem, ficou gravado em minha memória; creio que gravamos em nosso inconsciente aquilo que amamos; pois as amenidades não tem fixação em nosso interior. Duram pouco e se esvaem no intrincado campo de nossa memória. O litoral intocado de Marlborough Sounds, com dezenas de baías e praias isoladas é puro prazer para aos meus olhos. E ao sul, temos as vinhas que circundam a cidade de Blenheim, sua principal cepa são: sauvignons brancos e chardonnays, que aos poucos vêm conquistando prestígio internacional. Fui designada pela revista que trabalho para vir até aqui, fazer uma matéria sobre o local e sua produção de vinhos, meu editor com fumos de profundo filósofo – foi peremptório:

            -  Ariadne Foppiano, você sabia que o bom mesmo do caminho é ter volta? Pois para ida sem vinda, já basta o tempo! E chegou sua hora, vais viajar para a Nova Zelândia, precisamos que faça a matéria de capa, sobre o local e principalmente sobre as quinze propriedades dedicadas à produção de vinhos da Ilha do Sul. E de quebra vais conhecer os famosos nativos da ilha, os maoris.
            - Sim, Teseu Rochefield. Cedi sem maiores argumentos. Já tinha me acostumado a ser o faz tudo da redação.
            - Por isso que é a nossa melhor repórter da revista!
            - Poupe seus confetes. Lhe disse, dando as costas e fui saindo da sua enfadonha sala.
            Fiquei hospedada na melhor pousada da Ilha do Sul, uma casa senhorial da década de 1920, chamada: Timara Lodge. Extremamente elegante e com um serviço impecável, digno de um hotel 5 estrelas. O jardim inglês, que tem um lago habitado por dois cisnes negros, formam um cenário paradisíaco. Todas as refeições que fiz lá, sempre foram muito bem harmonizadas com os vinhos da própria região. Fiquei com lembranças intermitentes do lugar.

            A última vinha que visitei me marcou profundamente nessa viagem, o proprietário – um autêntico maori, respondia minhas perguntas sempre me fitando profundamente nos olhos. Ele já tinha cãs, aparentava ter uns 70 anos. Respondia todas as minhas perguntas em voz suave e agradável. Ponderava cada palavra de resposta, como se estivesse sorvendo lentamente seu melhor vinho. Era um desses senhores que irradiavam sabedoria, pois em cada resposta sua, via uma reminiscência que me acertava em cheio. Sua última resposta, mudou o rumo de minha metódica vida:

            - Sr. Papandelo, o vinho significa o que para você?
          - Mrs. Foppiano, penso muito sobre a vida do vinho, a cada manhã que me ponho de pé, medito sobre isso. Note, o vinho é algo vivo. Gosto de pensar no que se passou quando as uvas cresciam, em como o sol brilhava ou se choveu... como o tempo estava. Penso também para fora do meu umbigo, penso em pessoas do mundo todo que cultivaram e colheram suas uvas, e se for um vinho antigo, quantas delas já não devem estar mais conosco hoje. Eu amo a forma como o vinho continua a evoluir, como, em toda vez que uma garrafa for aberta, ele terá um sabor diferente do que se fosse aberta em qualquer outro dia. Creio que uma garrafa de vinho é um organismo vivo, está constantemente evoluindo e ganhando complexidade até atingir seu auge – como nós seres humanos. E então começa seu contínuo e inevitável declínio. Como em nossas vidas.

            - O que aprendeu com tudo isso Sr. Papandelo?
            - Simples Mrs. Foppiano, que devemos viver a nossa vida, como se fôssemos morrer hoje. A urgência da morte, nos tira da zona de conforto e nos faz ir além. Nos ajuda a crescermos e a evoluirmos como pessoas.
           
            Encerrada a entrevista, quando ia saindo por sua porta, virei para trás para me despedir dele, e notei no alpendre de sua porta uma inscrição em latim: “veritas iam attributa vino est.” Dei um berro e lhe perguntei o significado da frase. Ao que sem pestanejar ele me disse:
            - Significa: no vinho há verdade. Ele me disse sorrindo, como sempre.

            Já acomodada no avião e com a cabeça num tremendo turbilhão, cheguei à conclusão que felicidade, que outra coisa não é senão o próprio ato como felicidade: desejar o que temos, o que fazemos, o que somos – e não nos consumirmos em desejos dos outros, que não nos nossos próprios – somente. Noutras palavras: gozar e regozijar-se.

            Assim que o avião levantou vôo, a velha frase da mocidade saltou em minha mente e berrou:
            - A vida não é medida pelo número de vezes que respiramos, mas pelos lugares, momentos e pessoas capazes de tirarem nosso fôlego...

            Um brinde então a Nova Zelândia!
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