Quadro da Artista: Françoise Nielly
“E,
ao terceiro dia, nós mesmos, com as próprias mãos, lançamos ao mar a armação do
navio.” (Atos 27.19)
“Foram-se
os amores que tive
ou
me tiveram:
partiram
num
cortejo silencioso e iluminado.
O
tempo me ensinou
a
não acreditar demais na morte
nem
desistir da vida: cultivo
alegrias
num jardim
onde
estamos eu, os sonhos idos,
os
velhos amores e seus segredos.
E
a esperança – que rebrilha
como
pedrinhas de cor entre as raízes.”
Assentado esse pilar, que como
dizia nossa mãe: “Para bom entendedor, um
pingo é letra” vamos adiante. Se quiser viver, não adie irmã. O
imponderável se intromete na vida da gente. Como patas de um gato, as unhas do
destino se alongam querendo estancar o curso de nossa história. De nada adianta
também trilhar os mesmos caminhos, pois decerto chegaremos sempre aos mesmos
lugares de outrora. O apóstolo dos gentios ensina algo extremamente valioso
também: às vezes menos é mais. É necessário nos desapegarmos de determinadas coisas,
que não nos levam a nada, como: opinião alheia, amizades podres, gente boazinha
demais e amores que são tudo – menos amor de verdade.
Se quiser viver, não anseie.
Sossegue. O possível, nem sempre o melhor, é matéria prima do contentamento. A
alma implora por descanso. Reconheça os avisos do corpo quando ele avisar que
as descargas hormonais desequilibram o metabolismo. Dê um passo de cada vez.
Espere pelo amanhã. Desista do controle dos circuitos, solte o cabo da nau
(lembra desse hino?). Não corra na frente da aragem que antecipa a madrugada.
Basta a cada oportunidade o seu próprio mal.
Mas não somos só nossa circunstância,
somos também nossa essência.
Se quiser viver, não tema.
Arrisque-se. Decidir é vulnerarbilizar-se; querer, expor-se; desejar, atirar-se
à mercê do outro. Ferida de decepção dói menos que desterro de inação. Todos os
amantes carregam cicatrizes. Seus estigmas, mesmo antigos, são visíveis.
Atreva-se a caminhar sem blindagem. Não evite o olhar de quem lhe pede afeto.
Seja terno com quem lhe espezinha.
Se quiser viver, não fuja.
Enfrente-se. As nódoas da alma podem transforma-se em cancro; as culpas, em
fardos; as inadequações em aleijões existenciais. Transgressão pode deixar de
ser um pecado mortal. Aprenda com os seus tropeços. Cresça com as mazelas.
Reconceitue humildade como coragem de admitir limites, fragilidades,
incapacidades.
Se quiser viver, medite. Mire
as conchas que a maré triturou, que pavimentam a praia; o ócio do leão, feliz
com a prole bem alimentada; o sol que se fatiga no lusco fusco da tarde.
Devagar, procure as entrelinhas da poesia, o imarcescível da narrativa, a
dignidade da biografia. Escute, de olhos fechados, os violinos, as gaitas, os
trompetes, os pianos, os realejos. O universo pulsa, descubra o seu ritmo.
Das coisas belas que acabaram
nos vêm sempre uma luz e uma capacidade de ver o mais banal com algum
encantamento. Esse é o mistério da vida, que todos podem exercer mas que se
turva pela pressa, pelo excesso de deveres e a exigência de sermos o que não
podemos ser.
Feliz todo dia!
Do seu irmão que te ama! Ontem,
hoje e sempre...
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